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28 de nov. de 2009

Seeeentiiiido!

O aposto, após sujeitos postos
na boca, no ouvido.

O rir sem poder rir.
Nem ir. Nem vir.

Vida em travessuras cotidianas
noturno aproximar sentir

esfregas em coxas insanas
ritmo e parceria, sutis, conter


Volátil volver na noite
tal vinho sem stop aroma.


Contas em alta? a champagne
em lábios enganos do viver

o tempo. Picollo.
Sempre.

Copos a mais ou a menos
água com bolinhas
vazios a preencher

Quartos ao lado, sonos

distantes sonhos devir
porta fechada. Aberta?
desejos sem travessia


As letras. Na arte unem saber.

Caminhada em corpo distante
próxima-mente, se as mentes
transpassadas, trespassadas
almas seguissem em frente.

Cidade alegre do sol
grama e céu, prateado
Guaíba doido que dorme
cúmplice. O nadar ao nada.

O sorriso, a partilha, a mala
cruzados olhares e acesas
as velas na sala em oração
o desejo poderia?


Castanhos no verde - verdes no castanho
Uma valsa de Strauss? Ou rock.

On the rocks.

Escondido prazer solitário. Prokofiev.

Vivaldi? adormeceu no conto de fadas.

O beijo na boca, na boca, na boca?


Sem poder, a mordida no pescoço
foi o gerânio roubado
de trinta anos de perfume
de abraços suspensos em beirados

tal e qual lambrequins
menos falsos, menos falsos
aqueles eram originais?

Sob carvalhos lilases tapetes
há tempo devir
?
Sentidos afetos de muito
olhar a mesa posta

o comer-se pelo ar
há sabor?

Erros... O muito envelopado.
Aquela cena. Pena. Desatenta
ela, territórios a conter e a esvaziar
complexa mulher que se quer comum
e ainda ter que ser de Atenas!

Morada prenhe de antenas
e cuidados. A falta de.
O abandono.

Ele envidraçado.
Ela. Na corda bamba.

No proibido sentir,
o ser de si. Em si e por si.
Singular

apenas um.*


Marilice Costi - 2009

13 de out. de 2009


TEMPOS FRÁGEIS

Marilice Costi mostra a nova etapa de uma escritora que vinha se dedicando à poesia e ao ensaio. A autora reinventa a realidade e vai além das aparências. Expõe, às vezes com real crueza, a inquieta vocação da literatura, que não é a apresentação de soluções, mas um inventário de questionamentos. Várias de suas histórias apresentam personagens em situações-limite.
Há quem acredite numa literatura feminina. Talvez, independente de autor ou da autora, o que há é uma sensibilidade aguda; esta sim pode ter um olhar, um viés, uma percepção peculiar que parece também caracterizar a poesia, as crônicas e, aqui, os seus contos.
Suas histórias revelam-se convincentes, contundentes e permanecem além da leitura. E possuem uma força de verossimilhança que só escritores ligados umbilicalmente à nossa aventura cotidiana parecem atingir. (Fernando Neubarth)

O Prefácio é de Deonisio da Silva e, nas abas, o parecer de Jane Tutikian.

MARILICE COSTI é passofundense. Vive em Porto Alegre desde a década de 70. Arquiteta e urbanista, é Mestre em Arquitetura, Especialista em Arteterapia, escritora e poetisa. Ministra oficinas de escrita desde 1996. Editora e capista de O cuidador (a revista dos cuidadores) e também do livro de contos. Recebeu o Prêmio Açorianos 2006 com Ressurgimento. É autora de: A influência da luz e da cor em corredores e salas de espera hospitalares(2001) e Como controlar os lobos?(2002). Mulher, ponto inicial, Clichês domésticos com o selo da Movimento. www.sanaarte.com.br

21 de set. de 2009

SÍSIFO

(você encontra este mito na revista O CUIDADOR 7)

montanha que se avoluma
a minha revelia
meu fardo

carrego sementes
sem plantá-las

carrego música
mas todos estão surdos

carrego cores
e não há papel

carrego crias
que não vivem sem mel
sem um conto de reis
sem contos
e um monte de papéis

sou rastros de longa estrada
de gastos coturnos
e permanentes pesadelos noturnos

é cobra e borboleta
é corte e costura
é fogo e terra

outro Everest me chama!
quando serás colina?

carrego pedra e húmus
um mágico torto
o sacro perdido
e noites em claro
de perpétuo labor
entre detritos

o sino não toca
os galos não cantam
e a luz vomita

meu codinome
é retransformado mito
no dia-a-dia
corroídas entranhas
e olhos arregalados

Sísifo nunca dorme
e gasta sapatos
como eu

28 de jul. de 2009

PASSA TEMPO

compasso de espera

compasso de espera

compasso de espera

com qual passo?

passará?

*

Marilice Costi

30 de mai. de 2009

É VERO!

Um de meus filhos está sempre saudoso. Amoroso e ingenuo. Tem pernas longas mas seu andar é menino. Esse filho sempre tem saudade mesmo estando bem perto. Deve ser porque ele tem um amor enorme que, não cabendo dentro dele, preenche-o tanto que gera desconforto. Assim como um balão muito cheio prestes a estourar.
Palavras podem ser faróis quando iluminam caminhos de compreender a quem amamos. Por isto a importância daquele emêil do centro do Estado do RS, com a frase: Saudade é um amor que fica!

30/05/2009 - Marilice Costi

4 de mai. de 2009

REGISTRE A PRÓPRIA ALELUIA

Marilice Costi

O prazer nas palavras? Significados. Reconhecer-se ao redesenhar o próprio interior?

A palavra deveria brotar sempre em castelos de areia e de pedra. Um cavar até encontrar fluidez.

Novelos a querer movimento, fios de linha a enovelarem-se e a desatarem nós.

Com o tempo, agarrar o abecedário pelos fios e olhar-se no espelho. Senza paura.

A escrita vira produto? Outra história. Um trabalhão?

Quase sempre as luzes acendem.

*

29 de mar. de 2009

SOBRE OFICINAS: TRANSGREDIR A ALMA


A oficina de escrita é um ambiente de troca de informações num movimento cognitivo e afetivo. O reconhecer-se, o aprender a técnica: forma, enxugamento, clareza, fluidez, concisão. É onde se descobre a própria singularidade.
Se para a comunicação são necessários emissores e receptores, em oficinas é preciso afeto. Não apenas entre as pessoas mas, especialmente, com a língua-mãe: a que nos dá o sentimento de pertencer a uma família, a um grupo social e a um país.
Despejar em uma folha de papel em branco é um ato de coragem. O início. Palavras sem nexo, complexas e sem clareza são comuns. O que o nosso cérebro permite registrar.
Sem medo, abrem-se portas para a criação.
Esse fato é maravilhoso e é preciso lhe dar o devido valor.
A pulsação, impulso criativo desorganizado, aos poucos, gera ordem mental.
Depois é a costura. Desligar-se da escrita no papel, aquele amado objeto, para mexer, riscar, tirar, colocar, subverter, enriquecer, modificar, melhorar, esclarecer. A limpeza textual apaziguará as emoções desordenadas. É quando mestre e aluno comungam na mesma direção. A escolha do aprendiz e o direito à expressão.

Para o ofício do escrever, é preciso amorosidade, especialmente com as palavras. Entupidoras de nossas mentes, dispostas sem ordem nem dicionário... e remexer no abecedário em busca do não-clichê.
Se ao balbuciarmos as primeiras palavras, estabelecemos o vínculo primevo e mais profundo, como podemos tratar a linguagem de forma dura e técnica, desconsiderando que, naquele movimento labial, houve o registro e início da nossa expressividade? O tesouro, a mente?Uma arca repleta de jóias.
A palavra precisa de colo e de elos. A técnica não pode machucar. Aprender percebendo motivos nas escolhas. Exigir técnica sem delicadeza, pode ocasionar sérios bloqueios nas pessoas. Por isto, ir devagar, descansando a mente ao deixar o texto dormir. Reler tempos depois. E não se exigir demais.

São muitas as pesquisas que vêm provando que o cérebro é reativado a cada estímulo criativo. Escrever, pintar, desenhar, esculpir, costurar, cozinhar, enfeitar um prato, mudar as coisas de lugar, experimentar. Enquanto capazes de se surpreender com vida, teremos saúde.

Regras engessam o processo. Dessa forma, não se voa para o fazer, mas para um “não fazer”. A palavra “não” traz um ranço preconceituoso, podador e autoritário. E isto também tem a ver com a poda que é feita durante a vida: a sociedade a moldar indivíduos.

A coragem de criar é o que possibilita a transgressão. E transgredir é fazer o novo sendo responsável por ele. Não é apenas um ato de revolta. Mas o sair do lugar comum é o que faz a diferença: cavar a liberdade, pois somos frutos de um tempo onde o sensível precisa rasgar espaço para sobreviver.
E cobrar disciplina? Impossível ser escritor sem o prazer de escrever. Quem escreve adquire a própria disciplina porque ama o que faz. Do contrário, é provação.


Morreria se não pudesse escrever? perguntou Rainier Maria Rilke. Se a resposta é afirmativa, és um escritor...Aquele que se enrosca em seu texto como um gato em um novelo. Sobra um "rolo" que lava a alma, palavras escovadas jorram confissão. Escrever penetrando na alma universal e singular, viver as polaridades e as sintetizar. Cúmplice ou narrador onisciente, a técnica se incorpora na tecitura do próprio escrever.
Daí, o voo passa a ser cúmplice dos amigos, dos revisores, dos editores.
Voo de asa delta.

A arte é o pôr-se-em-obra da verdade.

Martin Heidegger

MUTATIS MUTANTIS

Minha escrita é mutável. Processo criativo raramente pronto.
No decorrer dos dias, poderei lavar os textos ou mudarei o curso do rio,
encontrarei porto para a semântica,
versos alinhavarão tempos de ser tudo ou nada.
Bendita informática a permitir reconstruções.
Por isto, o publicado aqui poderá "alegrar" frequentes mutações.
Escrever, reescrever, avaliar, refazer, apagar, modificar, clarear, remover.
Até chegar ao ponto de bala.
O último será melhor, mesmo sentido um primeiro,
mais maduro ser.


Marilice Costi - POA, 15/09/2008

E VALE A PENA?

APENAS UM poema de acasos/de casos/de ocasos/de ocos/de socos/de cacas/de cocos/de sacos/de sacas/de sacar as cacas/as escaras/raras panquecas recheadas de muquecas/cuecas e munhecas/de petecas/de sonecas/de bonecas/de nenecas/de araras/de taras/de caras/de ecas. Hecatombes.
Um apenas. Poema de ocaso oco e raso.
Um caso de dor.

FÊMEA SUL-AMERICANA

transgressora menina
que não cala e embala
latino-americana
de mesma memória
de las Madres de Mayo
de filhos, de talhos
revolucionários

vive para o novo
em si, dentro e fora
hospeda na alma
aguerridas mulheres
homens de muitas pátrias

na marca dos dedos
perseguidas Anitas
todas digitais
fortes, carnais
compadecidas

mi sombrero es mi padre
desafiadora boina
o lenço é sangue
empreendedora

um porvir de colos a dar
onde os meninos?

no fundo do poço
vertentes
na teia do criar
sementes

Gaia, barro, argila
corpos a renascer
teto, caverna,matas,
pó de estrada

móvel morada de quimeras
de los defensores de la tierra
de los hombres de nueva mirada
de los espiritos del cielo y del mar,
del mar, de las viñas del amar

20 de fev. de 2009

CONSTRUÇÕES CRIATIVAS 1 - das palavras

Há palavras que não precisam ser ditas. Estão implícitas na voz, no gestual, na escrita. Outras, não devem ser ditas de tão gastas e sem sentido. A palavra amor parece que não deve ser pronunciada. Ela é exigente, precisa de tempo para ser construída entre dois seres, precisa de espaço de expansão de sentimentos dos mais variados tipos. Amar implica em permitir-se sentimentos ambíguos. E exige dedicação. Diferente da paixão avassaladora e com um fim determinado. A paixão não traz em si o ato de cuidar, mas o ato de conter, de prender, de consumir.O tempo de hoje faz com que as palavras ditas descuidadamente se tornem sem sentido. A palavra pode ser: acertos e combinações que ocorrerão, a expressão de um sentimento qualquer, os registros da vida, a literatura, os documentos, o trabalho, a bobagem, o lúdico, o importante no dizer sobre nossos afetos Se o hábito as deixou vazias, carecendo de sentido, há que encontrar seu rumo. Na distância, sobrevivem compondo colagem, tatuagem, aromas e memórias. Elas se perdem num sopro? As permanentes palavras são a linguagem que se torna impermanente se relacionada ao tempo de nosso viver. O hoje que deixou de ser, o desejo que ficou no ar, o futuro que só nos cabe sonhar e projetar utopias.Palavras podem adquirir um brilho próprio. Aquecem a alma, amalgamam carinhos quando sua temperatura de cor ressalta o tom exato do aconchego, o ponto certo do cuidado, o ouvido atento na acolhida.Tais palavras? Quem não as deseja ouvir?Valem mais, se inesperadas? Ato falho ou intencional, quando o sentimento perpassa sem querer querendo: pulmão, diafragma, garganta, cordas vocais e saltita reverberando na testa, entre os olhos, como se fosse apenas um simples acorde em ré menor, a voz. Pode ser um monossílabo da soprano no coral da Canção da Alegria de Beethoven ou da ópera Carmem, de Bizet. A musicalidade em sentimentos de amorosos instintos está no sentido de poder. de transpor limites e compor desejos.É quando os aromas, retidos nas histórias vividas, se apropriam do ser e fluídos ocupam seu lugar. É quando o corpo se umedece em natural preparo para o tocar e o ser tocado, no vir a ser de almas que se fundem, em novo devir. Muitas palavras não ditas tomam formas nas entranhas. A guiarem movimentos de viver. Bem viver. Alegria de viver. Saber das palavras que de tão benditas nem precisam ser ditas. Faz bem ouvi-las. Se o tom de voz contiver ternura, elas estarão todas ali, prontas para serem de ambos, pertença e prazer de conviver.

Marilice Costi - 20/09/2009