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22 de ago. de 2013

DICAS PARA QUEM QUER ESCREVER!

Para o escritor, escrever é vital. Por isso ele se dedica ao ofício, porque para ele é necessário. Ele precisa escrever. 

Confira outras dicas aqui
 

11 de ago. de 2013

PARA MEU PAI

 pater-semente-lugar

acolhe ninhos e perdidas pipas
forte raiz que espalha os pés na terra
maduro tronco para o alto, rígido
isola a seca e a fome que enterra

longos os ramos, mesmo quebradiços
braços, desenhos contra o azul do céu
massas folheares ao sabor do vento
quentes abraços com sabor de mel

quando divago no final da tarde
ele é quem vejo em mim no meu cantar:
as mãos cansadas e o regaço imenso.

o seu desejo é que o consenso guarde
a paz, a mirra e a luz: intenso advento
unindo a força ao construir lugar


Poema escrito em 1990 para meu pai 
Todos os direitos reservados para Marilice Costi



Homenagem ao meu pai

CASO PROIBIDO

Era um caso de amor profundo, uma questão de raízes, um tipo de sentimento infinito até. Trinta e três anos de paixão! Ele, a trezentos quilômetros de distância, seu esteio, exemplo, segurança. Ela, frágil, mas corajosa, débil e às vezes inconsequente pela vontade de viver e saltar barreiras que a idade impunha. Matilde o carregava em seu coração num desejo de posse avassalador. Ela amava o seu caminhar, o gesto dele pôr os braços para trás, o assopro quando perdia a paciência e ria-se dos impropérios que Lauro esbravejava em sua língua de origem. Ela desconhecia em parte os significados. Mas seus signos eram claros: queria tudo em ordem, a mesa servida no horário exato, a comida com tempero suave, o silêncio na hora da refeição, o cafezinho depois junto ao cigarro filado. No final do dia, somavam mais de um maço. O médico proibira, ele não comprava mais.
Quando Matilde estava passando um tempo com ele, ao escutar o apito da fábrica, ia buscá-lo. Cansado do trabalho, ele demonstrava alívio. Era um momento de êxtase para ela: o caminhar lento de quem lidara o dia inteiro, o modo de atirar o casaco sobre o ombro direito, as muitas chaves da fábrica no molho preso ao cinto, o ouvir o próprio ruído ecoando do soalho nos barrotes, o verificar portas e janelas, os conselhos dados ao vigilante na guarita e, antes de cruzar o portão de ferro, o “não se esqueça de alimentar e dar de beber aos cães”.

Eles continuavam pela calçada coberta de terra seca daqueles dias de verão que margeava a avenida de paralelepípedos que se perdia atrás da Brigada Militar. E viam o pôr-do-sol. Ele a olhava com cara marota de menino adolescente e sorrindo dava-lhe um sonoro beijo espichando os lábios para alcançar sua face. Chegavam em casa aos latidos do Duque. Havia o costume de limpar os pés na grama, antes de ultrapassar a soleira. O chimarrão os esperava após o banho, quando ele mostrava seu recato. Nunca se vestia na frente ela. Apenas quando ia ao sanitário, não fechava a porta. Ela ouvia o som de um jato e ficava imaginando como poderia acertar no escuro. O lugar nunca cheirava mal. Era muito cuidadoso, sempre lavava as mãos ao chegar. Depois da janta, ela aguardava o momento que seus olhos diziam: pode vir. Sentava no seu colo, então, lia o jornal em voz alta. Ele escutava e marcava as notícias para ela recortar depois. Era o que Matilde fazia enquanto durava a sesta. Lauro sempre descansava após as refeições, como descansa agora, naquela cadeira do papai, para sempre.
Conto publicado no livro: COSTI, Marilice. Tempos Frágeis. Porto Alegre: Movimento, 2009.

28 de jul. de 2013

GRÁVIDA DE ESPERAS - Marilice Costi



Caro Editor
O que farei com a quantidade de textos que me vestem? Que me compõem por dentro? Que me fazem humana? Como esse que já fez aniversários... e estava entre os perdidos até hoje neste dia quase 10x6.
Abraços, MC
08/06/2013
O que importa nesta avalanche de vontades, de peles a tentar se colar, de dobras virando origamis, de alegrias mágicas e desejos interestelares, de ouvido e voz e ar, de pulmão e coração, o afago sangue adentro? Este querer/ser/ficar em território do outro, colo e acolhimento, um fincar mastro e  hastear bandeira?
Importa é a voz que chega a quilômetros milhares quase anos luz, trespassando calor em ondas, em frequências de comunicação de corpo e alma que se buscam, em dobras que se desdobram, resiliência e plantio. Há espera de criar raízes, em desconstrução que se constrói, no cuidado do levantar tijolo por tijolo, lado a lado, apoio e engaste, planície e floresta, um rio onde o barco atraca no cais, sem medo a não ser a ausência de maré. Águas sempre-vivas. 
Quero como quem deseja 25 metros de um bambu adormecido há séculos, cachoeiras que fluam entre jacintos, margaridas do campo e onze horas. Quero como quem deseja alcançar o pico da cordilheira dos Andes ou as cavernas de estalactites, como a música de Dvorák, Bartók, Strauss, Ravel, Villa Lobos, Chopin e Bach. Um pensar composto no balanço e movimento de ondas a ocupar territórios vindos em paz e em par.
Quero compartilhar do ar, do olhar, do costurar o afeto na pele com cinzel e linha tecelã e agulhas de bordar, a desmodular sentimentos padrões e a clarear obscuros momentos. Quero amar neste frio de junho que avança metade do ano de vida adentro.
Quero me grudar. Me dar e amparar, ser muro de contenção, ser telhado em construção, ser espaço público e privado, ser da vida, luz e sombreamento, dinamismo e amarração.
Nós, exatamente e apenas um nós em profusão.

(escrito em 2008) Direitos Autorais Reservados MARILICE COSTI - 08/06/2013

27 de jul. de 2013

Gatilho nas Palavras - ficção - Marilice Costi - p. 22




(... )
Iria ele cuidar de si a partir de agora? Escolheria a camisa sem mancha e com botões, teria sempre cuecas limpas na gaveta? Manteria as latas de chocolate e leite condensado e os pregos nas prateleiras no meio das roupas de passear? A premente necessidade de ter à mão o líquido doce através de um furo feito com a ponta de uma faca e martelo. A carência do seio?
O carrilhão tocou na sala. Lea acordou. Agora não com o ronco dele. E sentiu alívio. Na sua memória veio seu pai, para quem agora ela pediria proteção seguidamente. Não havia mais como aguentar a vida sem o útero a crescer, a lembrança do sangue perdido ao fazer o desejo de Jonas. Por que cedera? Olha as fotos de Natal e imaginou mais um ser ali. Qual sexo teria tido? Aquela mancha para sempre entre os dois. E nada jamais desfaria aquela cicatriz.
A noite se alongou. Rolou na cama até sucumbir finalmente ao sono. Seis da manhã, despertou com o corpo cansado. Pesadelo? Correu para o bloco de anotações. Esquisito lembrar-se daquele gringo no sonho. Onde andaria aquele homem das letras desenhadas?

(trecho pág. 22) Gatilho nas Palavras -de Marilice Costi - São Paulo, Scortecci Editora, 2012. ficção.


Saiba aqui a opinião de leitores: Uma publicação de SANA ARTE

8 de jun. de 2013

CONCURSO DE POESIA LILA RIPOLL – 2005

                         Marilice Costi



não tenho medo da morte

sou ebulição

uma arma atômica

explosão



sem água nem alimento

movo o corpo ao sabor do vento

quero dançar mas não conforme a música


com vísceras contaminadas

minha carne rasga onde escorre leite

meu cérebro vacila



mas meus braços

ainda embalam

o son(h)o da paz
 
 

 

25 de mai. de 2013

COMPREENDENDO

O tempo não espera por ninguém. Ontem é história. O amanhã é um mistério, o hoje é uma dádiva, por isso é chamado de presente. (Adalberto Godoy)

24 de mai. de 2013

Memórias de Marilice: INSISTÊNCIA DÁ NISSO...

Todos têm uma história sobre por que "desisti de ler". Não tenho dinheiro, ler demais não faz bem, não tenho paciência, não tenho tempo, não enxergo bem e muitas falas mais. Tenho a minha.

Ao voltar da escola e almoçar, eu ia ao meu quarto e deitava na cama para ler. Meu pai se aborrecia por me ver com livros que ele não entendia (Dialética da libertação, o que é isso? filosofia? Sartre? Os deuses eram astronautas?). Eu tinha 14 anos. E ele dizia, não me preocupe, minha filha. Você lê demais, Mari. Não é bom ler tanto!
Preocupado com o meu futuro, muito mais ainda com o meu pensar, papai tentava me controlar.. Estávamos na ditadura. Mas não faltava dinheiro para livros, enciclopédias, dicionários, revistas (exceto as Cruzeiro e Manchete que, se apareciam, tinham as páginas das mulheres pouco vestidas arrancadas. O nosso imaginário totalmente controlados pela minha mãe, As revistas Castigo? Ele & Ela? Nem pensar!

Havia gente que dizia: Aquele? Enlouqueceu de tanto ler! - era a fala corrente ao vermos passar um homem delirante pela rua em Passo Fundo. Aquele homem delirava em sua esquizofrenia!
Era sempre a mesma conversa pela cidade.

Vais enfraquecer os olhos, Mari.  Muitos cuidados comigo. O controle.

E hoje, a Mari! É bom não ser dentro da casinha, apesar de muitos sobressaltos do caminho. Quem lê pensa. E a postura tem que ser cuidada... Gosto de andar sem lenço e sem documentos. Nas letras especialmente. Com os livros a me olharem, enquanto aguardam que eu penetre no mundo insondável das palavras, sou tão mais feliz!

Marilice Costi (24/05/2013)





12 de mai. de 2013

Memórias com Minha Mãe

PARA MINHA MÃE
Minha amada Alice, a verdadeira senhora de meus domínios internos,
 mar revolto de minha adolescência, calmaria na minha maturidade,
luz e sabedoria no momento de eu ir para a próxima idade.
Amor de esperança e abraço de acolhimento.
Um amor de agradecimento que não cabe em mim.
Porto Alegre, 12/05/2013 
Marilice Costi


14 de fev. de 2013

ODE À "REBIMBELA DA PARAFUSETA"



imagens terapêuticas
de falsos casos
de dúbia linguagem
de interpretações profundas
e soluções infecundas
contrapõem a luz
que à criação conduz
 
"furunga que te furunga"
taí a conclusão
que me cansa a bunda


In COSTI, Marilice. Clichês Domésticos. Porto Alegre: Movimento, 1993. p. 23.

DESCOBRIMENTO

sei agora
porque temo a morte
 
nos momentos de infelicidade
teu corpo
antes, meio de transporte celestial
me enterra
 
 
In COSTI, Marilice. Clichês Domésticos. Porto Alegre: Ed. Movimento, 1993, p. 42.