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28 de jul. de 2013

GRÁVIDA DE ESPERAS - Marilice Costi



Caro Editor
O que farei com a quantidade de textos que me vestem? Que me compõem por dentro? Que me fazem humana? Como esse que já fez aniversários... e estava entre os perdidos até hoje neste dia quase 10x6.
Abraços, MC
08/06/2013
O que importa nesta avalanche de vontades, de peles a tentar se colar, de dobras virando origamis, de alegrias mágicas e desejos interestelares, de ouvido e voz e ar, de pulmão e coração, o afago sangue adentro? Este querer/ser/ficar em território do outro, colo e acolhimento, um fincar mastro e  hastear bandeira?
Importa é a voz que chega a quilômetros milhares quase anos luz, trespassando calor em ondas, em frequências de comunicação de corpo e alma que se buscam, em dobras que se desdobram, resiliência e plantio. Há espera de criar raízes, em desconstrução que se constrói, no cuidado do levantar tijolo por tijolo, lado a lado, apoio e engaste, planície e floresta, um rio onde o barco atraca no cais, sem medo a não ser a ausência de maré. Águas sempre-vivas. 
Quero como quem deseja 25 metros de um bambu adormecido há séculos, cachoeiras que fluam entre jacintos, margaridas do campo e onze horas. Quero como quem deseja alcançar o pico da cordilheira dos Andes ou as cavernas de estalactites, como a música de Dvorák, Bartók, Strauss, Ravel, Villa Lobos, Chopin e Bach. Um pensar composto no balanço e movimento de ondas a ocupar territórios vindos em paz e em par.
Quero compartilhar do ar, do olhar, do costurar o afeto na pele com cinzel e linha tecelã e agulhas de bordar, a desmodular sentimentos padrões e a clarear obscuros momentos. Quero amar neste frio de junho que avança metade do ano de vida adentro.
Quero me grudar. Me dar e amparar, ser muro de contenção, ser telhado em construção, ser espaço público e privado, ser da vida, luz e sombreamento, dinamismo e amarração.
Nós, exatamente e apenas um nós em profusão.

(escrito em 2008) Direitos Autorais Reservados MARILICE COSTI - 08/06/2013

27 de jul. de 2013

Gatilho nas Palavras - ficção - Marilice Costi - p. 22




(... )
Iria ele cuidar de si a partir de agora? Escolheria a camisa sem mancha e com botões, teria sempre cuecas limpas na gaveta? Manteria as latas de chocolate e leite condensado e os pregos nas prateleiras no meio das roupas de passear? A premente necessidade de ter à mão o líquido doce através de um furo feito com a ponta de uma faca e martelo. A carência do seio?
O carrilhão tocou na sala. Lea acordou. Agora não com o ronco dele. E sentiu alívio. Na sua memória veio seu pai, para quem agora ela pediria proteção seguidamente. Não havia mais como aguentar a vida sem o útero a crescer, a lembrança do sangue perdido ao fazer o desejo de Jonas. Por que cedera? Olha as fotos de Natal e imaginou mais um ser ali. Qual sexo teria tido? Aquela mancha para sempre entre os dois. E nada jamais desfaria aquela cicatriz.
A noite se alongou. Rolou na cama até sucumbir finalmente ao sono. Seis da manhã, despertou com o corpo cansado. Pesadelo? Correu para o bloco de anotações. Esquisito lembrar-se daquele gringo no sonho. Onde andaria aquele homem das letras desenhadas?

(trecho pág. 22) Gatilho nas Palavras -de Marilice Costi - São Paulo, Scortecci Editora, 2012. ficção.


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