texto abaixo do cabeçalho


29 de ago. de 2011

INFERNO ASTRAL

Gilberto Gouma

Não me consola saber-me assim. Uma felicidade em potencial que não se consolida. Meus ais se pronunciam com maior alvoroço do que os sorrisos que me congratulam. Há quem me considere ingrato para com tão promissor destino. Julgam que na cartada, levei ases e coringas em profusão. Mas me sinto um macaco numa jaula e as bananas estão do lado de fora. Parece-me que estou emaranhado em idéias que não me pertencem, acordado num pesadelo de doce futuro – amarga sujeição. Sem pedir-me licença, condenaram-me a viver desejos alheios. Lambuzaram-me com leite e mel, quando eu preferiria vinho e pimenta. Nasci com estética de príncipe e uma alma mendicante e só me atraem os plebeus. Meu avesso quer vir à tona e cobrar o que lhe foi usurpado. 

20 de ago. de 2011

OS LIVROS SÃO PERIGOSOS! - John Milton, 1644

Não nego que seja do maior interesse, tanto para a igreja como para a república, vigiar com muita atenção a conduta dos livros tal como a dos homens; e em seguida, retê-los, aprisioná-los e puni-los com o maior rigor, como a malfeitores. Porque os livros não são coisas absolutamente mortas; têm em si um princípio de vida tão ativo quanto a alma de que são provenientes; e até mesmo conservam, como em um frasco, a força e a essência mais puras da mente viva donde saíram. Sei que são tão cheios de vida e tão vigorosamente fecundos quanto os dentes do dragão da fábula: se forem semeados aqui e acolá, talvez saiam deles homens armados. Por outro lado, entretanto, a menos que isso seja feito com prudência, destruir um bom livro é quase matar um homem; e quem quer que mate um homem, mata uma criatura dotada de razão, ou seja, a imagem de Deus; mas quem quer que destrua um bom livro, mata a própria razão, mata a imagem de Deus, como quem dá um golpe num olho. A vida de muitos homens é uma carga para a terra; mas um bom livro é o sangue precioso do espírito superior, embalsamado e cuidadosamente conservado para uma vida além da vida. Para dizer a verdade, não há século capaz de restaurar uma vida cujo desaparecimento não constitui, talvez, grande perda; e, na sucessão das idades, é raro ter sido reparada a perda duma verdade rejeitada, cuja ausência é prejudicial a nações inteiras. Deveríamos, pois, mostrar maior prudência em nossas críticas em relação aos trabalhos vivos dos homens públicos; em nossa maneira de dissipar esse suco vital da experiência humana, que é conservado e armazenado nos livros, porque vemos que se pode cometer assim uma espécie de homicídio, expor ao martírio e, em se tratando da totalidade de exemplares impressos, chegar a uma espécie de massacre, cujo efeito não é destruir uma vida elementar, mas que fere essa quintessência etérea, o sopro da própria razão, e que aniquila, mais do que uma existência, uma imortalidade.

Trecho retirado de um discurso feito em 1644 por John Milton, autor de Paraíso Perdido, para a Suprema Corte Inglesa. O texto é considerado um dos fundamentos da liberdade de expressão no ocidente .
Vide: Areopagitica, um discurso pela liberdade de imprensa.
 
Colaboração: Dênia Palmira

10 de ago. de 2011

Pensamentos do dia

Caráter. Respeito. Credibilidade. Amorosidade. Ser! A grande questão?
Simples a vida. Complicado é suportar o desumano.

Marilice Costi - 2011

7 de jul. de 2011

O QUE CARREGAMOS DE SINGULAR?

Perfeição não existe. O que existe quando chegamos à maturidade? Ver nossos pais como seres humanos, aceitá-los com seus erros e acertos como todos nós. O que existiu na minha família foi muita luta, desde o início. Nada fácil. Muita economia. Tudo feito em casa. Roupas, sabão, chimias, sucos. Galinheiro, horta, pomar. Houve um tempo em que só havia água de poço, manivela, balde e corda... A água vinha respingando nos tijolos... Quantas vezes olhei para dentro, aquele fundão. Cuidado menina, sai de perto! Você pode cair dentro. Tempos depois papai instalou uma bomba. Graças a Deus! Mas quando faltava luz... era de novo a manivela. Em nossa casa ,choveu dentro durante muitos anos, molhava todos os livros, piano... Parava de chover na rua, dentro varríamos a água. Eu nem tanto, porque havia empregadas para atender tanta gente... Mas mamãe lastimava as paredes pintadas com cores que ela criava, as cortinas que tinha feito, os livros que grudavam as folhas e ela colocava no sol, punha talco... Papai tinha que reformar todo o telhado e protelava... Primeiro a fábrica... depois a casa... coisas de empreendedor. Tudo longe: escola, farmácia, igreja, amigos, hospital... Dependíamos de alguém que nos levasse na casa dos amigos. Raramente ou nunca vinham me visitar se não os fossem buscar... Cada um com suas coisas, que marcaram nossas vidas e relações para sempre. A casa cheia de filhos, de netos, de representantes, de padres, de freiras, de bispo, de parentes. Achavam que éramos ricos, mas controlava-se tudo, água, energia, nunca o alimento. Tanta gente para alimentar. Mas não havia consumismo, era só o necessário. Não faltou nada. Havia cuidado na família e cuidado na comunidade. Quanta riqueza!
Atualmente, ninguém está satisfeito com o que tem. O consumo daquela época era sustentável... mas havia contaminação no solo e no ar... O curtume largava cromo, mas quem sabia que isso era prejudicial na década de cinquenta? Ali foram curtidos os primeiros couros cor de cardeal, verde limão, roxo, amarelo... coisas inventadas pela minha mãe. Que nunca teve salário pelo trabalho social que desempenhou na empresa. Era ela quem mobilizada as pessoas para festas de São João, dia do trabalhador, Natal, Páscoa... As festas na Igreja, sempre com apoio de papai. Quanta salsinha era doada para as festas das freiras, dos padres, do grupo escolar municipal. Um amigo há poucos anos me disse: quanto mais damos, mais ganhamos. Dê!
O mundo mudou. A informática, os planos econômicos, as mudanças sociais. Poucos descendentes de italianos souberam construir e continuar seus negócios acreditando nas filhas. Elas não deviam rir muito porque pareceriam loucas, não deveriam falar muito porque não seriam confiáveis. Daí, melhor escrever, pois o abecedário escorre pela mente... cascata, enxurrada...
As relações, todas, mudaram. Sociais, de trabalho, as familiares. Muita gente nasceu. Naqueles tempos, conseguia-se ajudar os pobres verdadeiramente. Hoje, carregamos a impotência e a culpa pela incapacidade de mudar o mundo. Acreditávamos que éramos capazes. As utopias. O amor livre e independente de convenções sociais e de heranças. Evoluimos em muitas coisas. Mas cansamos de ver a violência, não queremos mais ver, cansamos de esperar mudanças, ainda nos surpreendemos com quem elegemos pelas mentiras que nos passam antes das eleições, somos sobrecarregados de informações, excesso de comunicação. Falta o vazio, o espaço de sentir, o espaço de viver o hoje que escorre entre nossos dedos, mas marca inevitavelmente nosso rosto com rugas que não são mais de expressão. Perdemos muito em humanidade. O medo de chegar perto do outro. O medo de perder a vida, o medo de perder os documentos, a falta de privacidade. Já não molhamos os olhos com a desgraça dos outros, desligamos a televisão, porque não temos mais espaço dentro de nós para acollher tanta dor que jogam em nosso colo. Por isto tudo, o valor da vida, que é única, inquestionavelmente, solitária? Pertencendo a cada um de nós. Somos sós e somos o outro, somos nós e somos o todo. Somos singularidade e somos apenas um número na multidão. Somos. Estamos vivos, por isso posso registrar em um blog o que penso seja a minha verdade. Mas pode não ser. Posso estar contaminada com o entorno. Somos o que vivemos e o entorno nem sempre é sadio. A sociedade adoeceu, mas de dentro dela, nascerá o novo. Que saudade dos meus tempos de dialética! 

Marilice Costi - 2011

2 de mar. de 2011

MINHA TERRA NAS ENTRANHAS

Desenrodilhados?
não andamos mais
nas mesmas águas

Fios sobrepõem opostos
complexo desmodulado
tecido de afeto ao destecer dores

Não sou mais capaz de viver
movimento que desconstrói
tempo sem metas
porta que não abre-se em frestas
leveza que não acende o caminho
corpos que não incendeiam
e nem se aninham

Luzeiro, facho, candela
estrela sem lúmen
não vivo sem

Um laço de esperança
em linhas a sair do enquadre
na base que me sustenta
a palavra e o papel



Buenos Aires, 16/11/2007
Congresso Sul-Americano de Arteterapia

9 de jan. de 2011

Poema selecionado para Coletânea de Poetas Gaúchos - AL - Org. Dilan Camargo

Há mais certeza no trilhar novos caminhos
no ouvir que exorta o singular do ser?
Lamber carinhos em aromas mergulhados
transforma rejeição no ato de empreender.

A nitroglicerina em fios de telefone,
polaridades em resmungos sem tesão
encanto que acabou, clichê desalinhado,
desnudam um amor, a sentinela em vão.

Você articulava em pronta sedução
no abrir e fechar portas, múltipla explosão!
O estar distante fácil não compôs carinhos
mas mortos escondidos em certeiro chão.

Insanas em você as palavras profanadas
e doces as agruras que sem tino emanou
ao fraturar cristais de vida consagrados
entrecortadas sílabas, um mote vomitou.

Ao esconder meu pranto é num vão
o que vai-se em profusão. Então você
inquieto ser - contínuo e interno pendular
encerra o jogo num tablado e tem razão.

Homem distante num moinho andante,
de pavio  feito pra queimar os dedos
em notas tais que mais parecem ser torpedos
em frágeis passos de andarilho, medo amante.

Você a rejuntar e ao dar acabamento
a um tipo cadafalso, frigorífico de trincas.
Desbravador de amor rompido no alongar do voo
compactou no ventre um ser que não habita.

Você foi rendilhado em colorida fita
descortinado ser que perdeu tanto poder

com dor e raiva, falo falha fula pílula
no colo de quem acolheu as sobras no sorver.

Incapaz de amar e de cumprir natais
ao refazer a vida um descuidar demais
de quem despiu-se escancarando o próprio couro
jogando fora, desvaloriza o que era ouro.

Impaciências em você talvez reverterão
em sabedorias, se não forem munição;
se autoestima não partir de grande esforço
ao preparar o próprio pão, virá desgosto.

Você, um corpo machucado no viver,
compõe entalhes e relevos no criar
é gota a gota a respingar na vertical
na escadaria sem degrau nem patamar.

Você foi louca compreensão ao ser amado.
Um laço ao decompor ardor em raro ninho
rasgou o afeto e ao rastejar não tem sapatos
e ao sangrar será bordô, coalhado, impuro vinho.

Há féretro que aporta de um navio advento?
Guerra sem armas fermentou o tudo? é nada.
No cais ao desfraldar a caravela ao vento
cumpriu um ciclo a mais de abandonado alento.

Bandeira brasileira em corpo embalsamado
tem cores do Rio Grande em meio a lambrequins
envoltos nesse pano, cupins de antepassados
enterraram a dor de um doce amor em mim.

- Ah, metida abelha em noturnos vendavais
tentando remover coturnos e metais!
Bendiga o rumo ao recompor-se em tempos tais
desapareça – é águia – pra que dizer dos ais?

Marilice Costi - 2010 - foi alterado para a publicação