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12 de ago. de 2017

REDES E DIMENSÕES OCULTAS - um olhar sobre Edward Hall e Johh Law

MARILICE COSTI*



Qual a metáfora adequada para definir lugar? Edward Hall[1] definiu na segunda metade no séc. passado, que os territórios poderiam ser íntimos, pessoais, sociais, públicos estabelecendo distâncias para os classificar. John Law afirma que “agentes, textos, dispositivos, arquiteturas são todos gerados nas redes do social, são partes delas, e são essenciais a elas.”[2].
Não é mais nas distâncias que nos reconhecemos espacialmente. Quais distâncias agora a medir? A velocidade nas comunicações - que a informática e os objetos possibilitam hoje descaracterizaram territórios? Mudou o lugar, a noção de posse, o território que passa a ser virtual, um texto no ar, um e-mail, uma página na Internet?  

São as comunicações e as redes se formando, possibilitando que se possa chegar em muitos lugares ao mesmo tempo, dentro e fora do território do outro, agora um equipamento, um objeto a conter informações multiplicadoras a cada minuto. São redes humanas, espaciais, virtuais, físicas, químicas a possibilitar o movimento. Através de e-mails, de webcams rompemos a distância entre o coletivo e o privado? Ou através da Internet nos tornamos mais coletivos e estabelecemos redes, ampliamos passagens e reduzimos caminhos? Que topografia é esta virtual que chega sem pedir licença nem bater na porta, que envolve a vida de forma solitária e ao mesmo tempo é companhia, que amplia o valor da escrita e da imagem?

*Arteterapeuta Especialista e oficineira, Arquiteta e Urbanista, Mestre em Arquitetura, escritora, CEO de CUIDAQUI.com - 2017 - Startup Jovem de IMPACTO SOCIAL SEBRAE/RS.





[1] HALL, Edward. A dimensão oculta. Rio: Francisco Alves, 1977.

[2] Notas sobre a teoria do ator-rede: ordenamento, estratégia, e heterogeneidade. Disponível em < http://www.necso.ufrj.br/Trads/Notas%20sobre%20a%20teoria%20Ator-Rede.htm > Consulta em 26mar2008.

Memórias de Marilice: ASSIM FOI MEU PAI

Demétrio estava acomodado em uma cadeira Gerdau adaptada às suas condições físicas e tomava sol. Era diferente da cadeira reclinável, que anteriormente existia na mesma saleta perto da mesa das refeições, onde tantas vezes descansara após o trabalho.
Era um dia muito frio como aqueles em que pedia um cobertor para cobrir-se na sesta. Suas pernas estavam enroladas numa manta de lã, calçava meias grossas e um chinelo forrado de lã de ovelha.  Ao lado, sua mulher há mais de 50 anos remendava roupas.
A campainha tocou e ela moveu-se para soltar a roupa com a agulha fincada no tecido perto do alinhavo, mas desistiu.
– Lurdes, disse ela, atenda à porta, por favor.
Prontamente, a moça secou as mãos no avental e seguiu pelo corredor. Olhou através do vidro da porta, abriu a pequena janela e disse bom dia aos desconhecidos. Um deles lhe respondeu e então retornou à saleta.
– Dona Alice, querem falar com Seu Demétrio.
Ela então acomodou a agulha no tecido, colocou o retrós ao lado sobre a almofada no assento do pequeno sofá e dirigiu-se à porta. Quem seria àquela hora da manhã de sábado?
Pela vidraça da porta viu um casal jovem e uma idosa. Então virou a chave e abriu.
– Bom dia, D. Alice. Precisamos muito falar com Seu Demétrio – disse a mulher. 
Alice abaixou-se para liberar a cremona que travava a porta no piso, puxou a outra superior e soltou a segunda folha da porta, dando espaço para passarem. Com a mão, sinalizou a sala de estar e disse:
– Entrem. Vou falar com ele.
A ampla sala continha um sofá de quatro lugares cor dourada, duas poltronas vermelhas de veludo desbotado, uma mesinha para o abajur, de mármore rosado com pés dourados, o registro de uma escolha feita há mais de quarenta anos.  Quando os viu acomodados, disse:
– Está muito frio, vou pedir um cafezinho. E retornando à saleta, olhou o marido e disse-lhe: É contigo, Demétrio. Atenda... Deve ser importante.
– Não quero falar com ninguém – disse ele. Há tempo não se sentia confortável para atender estranhos, nem queria que o vissem. Fora sempre cuidadoso com sua aparência e agora se sentia decrépito, sabia que a vida lhe escorria. 
Alice retornou à sala, não antes de pedir que servisse um cafezinho bem quente, lembrando-a de, antes do café, colocar água fervendo nas xícaras. O frio da cidade gelava tudo. E completou: se não, o café chegará frio.
Trazendo um pedido de desculpas do marido, não se sentia muito disposto, Alice abriu a conversa.
– Em que posso ajudá-los?




Novamente, a mulher, agora se identificava como mãe e sogra do casal, tomou a frente.
– Anos atrás, quando trabalhávamos na fábrica, Seu Demétrio nos emprestou dinheiro para que comprássemos a nossa casa. Meu marido já faleceu e pediu-me que eu não ficasse sem acertar. Só agora conseguimos juntar tudo. Queremos acertar.
Alice arregalou os olhos, afirmando que ia falar com ele então.
– Demétrio, a viúva do Machado quer devolver o dinheiro do empréstimo que fizeram contigo para comprarem a casa deles. – disse ao chegar à saleta.
– Quem são? – enfatizou Demétrio, que não a ouvira bem.
– Líria..., a mulher do Seu Machado, está aí com o filho e a esposa.
– Não sei quem são, Alice. Diga-lhes que não me devem nada e que podem ir para casa.
Alice retornou à sala de visitas e transmitiu o recado aos três. Eles se entreolharam surpresos e ficaram sem palavras. 
Então, levantaram-se, agradecendo, e seguiram Alice até a porta da rua. Foi quando ela lhe pediu que rezassem pela saúde do marido. 


2017.08.12 - Homenagem a meu pai Zeferino Demétrio Costi, pelo dia dos pais.
Saudades eternas.






21 de mai. de 2017