17.01.12
(G)atilho nas palavras
No livro (G)atilho
nas palavras, de Marilice Costi, o personagem masculino usa Darwin para
justificar sua galinhagem: homens têm grande quantidade de esperma para
espalhar seu sêmen e povoar o mundo, mulheres possuem poucos óvulos e vida
sexual curta. Esse tipo de homem esquece que Darwin também concluiu que as
espécies evoluem, modificando seu comportamento para se ajustarem às novas
condições ambientais, ou sócio-ambientais, no caso humano. Ele parou no tempo. O
mundo já está super-povoado. As mulheres estão independentes, praticam sexo por
puro prazer, a procriação passou a ser ato de vontade. Além de contarem com
reposição hormonal e anticoncepcional, atualmente nem precisam da presença do
macho para engravidar, embora dependam de seu sub-produto. Por seu lado, a
personagem feminina, recém-separada de um marido fraco, apesar de empresária e
financeiramente bem posicionada, está carente e fixada em formar um novo par.
Focalizado nos processos de comunicação entre as partes, o livro retrata o
momento de pessoas de meia-idade perdidas entre duas gerações, mantendo algumas
atitudes conservadoras enquanto transitam na modernidade, desorientadas por
duas revoluções ocorridas no século
passado, o feminismo e a informática. Estes movimentos resultaram decisivos
para os relacionamentos interpessoais, pois influíram nas instituições, no
trabalho, na cultura e na política, bagunçando os valores e os papéis
tradicionais, o que transparece no enredo da novela. Vivemos uma época
de transformações rápidas, onde, usando a metáfora da autora, o atilho estica
para depois se soltar num gatilho, e, segundo Darwin, só os que se adequarem,
os mais fortes, sobreviverão.
R.Novaes-Bueno