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24 de jul. de 2010

PRÊMIO AÇORIANOS - poesia

Composto por dois poemas distribuídos em 60 páginas, RESSURGIMENTO foi escrito quando morreu a calopsita da autora. Doente, a ave se erguia, quando a via passar. Logo após, sem forças nas patas, tombava. A ave fora sua companhia muitos meses, ao lado do computador, enquanto desenvolvia sua dissertação de mestrado. Resistente à morte, foi preciso sacrificá-la. Foi quando Sombras foi escrito. Semanas depois, a vida renasce em Aurora. Ambos poemas foram criados num fluxo contínuo.
A autora disponibiliza a maior parte do primeiro capítulo do livro RESSURGIMENTO, clique sobre o título da postagem e abra. Depois, leia em voz alta.
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RESSURGIMENTO

de Marilice Costi

PRÊMIO AÇORIANOS DE POESIA 2006

sumário

sombras / 07
aurora / 43
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SOMBRAS
1

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o vento crispa a persiana desengatada


e eu pássaro feridas


não quero o espelho


onde me debato em busca do vôo






eu pássaro sem asa


ouço gritos


que me cegam a voz




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me alimento para não morrer






me levanto frágil


para me mostrar digna




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minha sede é em vagas


e homeopáticas doses


não curam as cascas sanguinolentas


do meu grito


que se abrem






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estou só a cumprir planos


a cobrar lamentos


ecos de grunhidos


espancamentos


latidos




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um muro me separa da luz


e sou inerte






reponho antigas grades


e me desloco entre elas


mesmo a porta aberta




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hoje pareço bem


ontem quiçá melhor


amanhã já nem sei






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uma balança troca pesos


dia sim


dia não


firmo as patas, tenho classe


mas caio de bunda no chão





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sou afeto desmodulado


retalhos do eu






com-passos atrofiados


meu ínfimo canto, débil


é quase morto




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minha asa cortada é um esforço colorido


de inútil mercurocromo


mostro um topete que sobe e desce


e olhos esbranquiçados






sou penas que se foram


um canto rico, um assobio distante


um Debussy arisco


um fino pó






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sou dores que me esfolam vivo


sou carne reconhecendo vírus






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não creio mais nas luas e nas matas






o medo me consome em cálices de prata


o amor e o vinho ignoram que maltratam





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meu fogo é extinto


entre vermes, lixo e sucata






sou músculos dormentes


um cérebro que morde-se entre dentes






e um bolso vazio






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sou o que sobra neste coliseu


resto de letras, tintas, camafeus






sou penhor e débitos


sou vergonha e adeus






onde foram os sonhos meus?






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entre vômitos e gritos


meu coração é aflito


rompendo em fendas






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meu brilho retinto azulado


faz parte do hábito jogado


em fortes e clausuras


onde bíblias e lanças


rasgaram meu norte






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perdi o olhar


nem sei se quero achá-lo


rodeiam-me monstros que pedem gorjetas


mas nem isto mais possuo






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busca-pés de fogo rondam meus passos


e a púrpura me cobre




tento erguer meu corpo, a sede é muita



a asa treme forte e bebo água muita água


mas sempre em conta-gotas




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como o que me atiram


escolho o que é mais duro


reforço maxilares para o final esconjuro






um último retiro


um suspiro só meu


que entre detritos rompe como um tiro




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não suporto mais sangue esparramado


entre lonas, luzes e ribaltas


e homens e mulheres sem rumo


em pedras altas


e agudas que lhes fincam tortas






sou mudo imundo mundo


de penugem tingida


não sou quem sou nem fui


mais que gente sofrida




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sou sem teto e sem pastor




persigo em gastos tapetes


perfeitos mais que os persas


que Deus não tolera



meus móveis mostram décadas corridas


e a vida que se esvai a cada colherada




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pedaços meus num tempo morto


líquenes, musgos e gravatas






teias de aranha armadeira


recobrem meu porto


e nada mais atraca


nem mesmo a alma se destaca





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um tênue fio antes de náilon






hoje é cordão apodrecido


gritando amor em homicídio




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numa cadeira de balanço dança


a pança mole de dietas gordas


que ensopa o prato






prenhe amor antes de cores vivas






o alfabeto na pele costurado


retumba rasgando folhas, comprime


e em linhas fica tracionado





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o som da cidade vibra


e derrama o tempo afora


e ninguém mais espera


ninguém mais agüenta


ninguém mais sustenta


um amor morto


um canto frio


um texto arrastado





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um mundo se destroça em armas


e em covas sufocado esbarra em contra-rimas




um mundo trêmulo desenlaça


um passo de desgraça



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sou o que sou em desalinho


e estou sem ninho





queimaram minhas penas


sou ave em tábua rasa




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no rasgo da cachaça alça o tufão


em meu ego sem espírito borbulham clones




e o ser sensível só come carcaças





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rastro dos meus passos



vizinha de insones




sou estes sons que se debatem a esmo em


vendaval noturno




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a utopia fez mais de trinta anos


e foi frágil vidraça






o que mais me aguarda?




(...)


________________________________(imagem)

AURORA

2


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toco em feridas

que abrem e fecham

digo abre-te-sésamo


Conheça o final do capítulo 1 e "Aurora", capítulo 2, onde a vida resplandece.
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