Composto por dois poemas distribuídos em 60 páginas, RESSURGIMENTO foi escrito quando morreu a calopsita da autora. Doente, a ave se erguia, quando a via passar. Logo após, sem forças nas patas, tombava. A ave fora sua companhia muitos meses, ao lado do computador, enquanto desenvolvia sua dissertação de mestrado. Resistente à morte, foi preciso sacrificá-la. Foi quando Sombras foi escrito. Semanas depois, a vida renasce em Aurora. Ambos poemas foram criados num fluxo contínuo.
A autora disponibiliza a maior parte do primeiro capítulo do livro RESSURGIMENTO, clique sobre o título da postagem e abra. Depois, leia em voz alta.
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RESSURGIMENTO
de Marilice Costi
PRÊMIO AÇORIANOS DE POESIA 2006
sumário
sombras / 07
aurora / 43
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SOMBRAS
1
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o vento crispa a persiana desengatada
e eu pássaro feridas
não quero o espelho
onde me debato em busca do vôo
eu pássaro sem asa
ouço gritos
que me cegam a voz
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me alimento para não morrer
me levanto frágil
para me mostrar digna
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minha sede é em vagas
e homeopáticas doses
não curam as cascas sanguinolentas
do meu grito
que se abrem
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estou só a cumprir planos
a cobrar lamentos
ecos de grunhidos
espancamentos
latidos
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um muro me separa da luz
e sou inerte
reponho antigas grades
e me desloco entre elas
mesmo a porta aberta
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hoje pareço bem
ontem quiçá melhor
amanhã já nem sei
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uma balança troca pesos
dia sim
dia não
firmo as patas, tenho classe
mas caio de bunda no chão
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sou afeto desmodulado
retalhos do eu
com-passos atrofiados
meu ínfimo canto, débil
é quase morto
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minha asa cortada é um esforço colorido
de inútil mercurocromo
mostro um topete que sobe e desce
e olhos esbranquiçados
sou penas que se foram
um canto rico, um assobio distante
um Debussy arisco
um fino pó
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sou dores que me esfolam vivo
sou carne reconhecendo vírus
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não creio mais nas luas e nas matas
o medo me consome em cálices de prata
o amor e o vinho ignoram que maltratam
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meu fogo é extinto
entre vermes, lixo e sucata
sou músculos dormentes
um cérebro que morde-se entre dentes
e um bolso vazio
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sou o que sobra neste coliseu
resto de letras, tintas, camafeus
sou penhor e débitos
sou vergonha e adeus
onde foram os sonhos meus?
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entre vômitos e gritos
meu coração é aflito
rompendo em fendas
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meu brilho retinto azulado
faz parte do hábito jogado
em fortes e clausuras
onde bíblias e lanças
rasgaram meu norte
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perdi o olhar
nem sei se quero achá-lo
rodeiam-me monstros que pedem gorjetas
mas nem isto mais possuo
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busca-pés de fogo rondam meus passos
e a púrpura me cobre
tento erguer meu corpo, a sede é muita
a asa treme forte e bebo água muita água
mas sempre em conta-gotas
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como o que me atiram
escolho o que é mais duro
reforço maxilares para o final esconjuro
um último retiro
um suspiro só meu
que entre detritos rompe como um tiro
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não suporto mais sangue esparramado
entre lonas, luzes e ribaltas
e homens e mulheres sem rumo
em pedras altas
e agudas que lhes fincam tortas
sou mudo imundo mundo
de penugem tingida
não sou quem sou nem fui
mais que gente sofrida
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sou sem teto e sem pastor
persigo em gastos tapetes
perfeitos mais que os persas
que Deus não tolera
meus móveis mostram décadas corridas
e a vida que se esvai a cada colherada
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pedaços meus num tempo morto
líquenes, musgos e gravatas
teias de aranha armadeira
recobrem meu porto
e nada mais atraca
nem mesmo a alma se destaca
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um tênue fio antes de náilon
hoje é cordão apodrecido
gritando amor em homicídio
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numa cadeira de balanço dança
a pança mole de dietas gordas
que ensopa o prato
prenhe amor antes de cores vivas
o alfabeto na pele costurado
retumba rasgando folhas, comprime
e em linhas fica tracionado
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o som da cidade vibra
e derrama o tempo afora
e ninguém mais espera
ninguém mais agüenta
ninguém mais sustenta
um amor morto
um canto frio
um texto arrastado
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um mundo se destroça em armas
e em covas sufocado esbarra em contra-rimas
um mundo trêmulo desenlaça
um passo de desgraça
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sou o que sou em desalinho
e estou sem ninho
queimaram minhas penas
sou ave em tábua rasa
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no rasgo da cachaça alça o tufão
em meu ego sem espírito borbulham clones
e o ser sensível só come carcaças
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rastro dos meus passos
vizinha de insones
sou estes sons que se debatem a esmo em
vendaval noturno
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a utopia fez mais de trinta anos
e foi frágil vidraça
o que mais me aguarda?
(...)
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AURORA
2
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toco em feridas
que abrem e fecham
digo abre-te-sésamo
Conheça o final do capítulo 1 e "Aurora", capítulo 2, onde a vida resplandece.
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