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27 de jul. de 2013

Gatilho nas Palavras - ficção - Marilice Costi - p. 22




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Iria ele cuidar de si a partir de agora? Escolheria a camisa sem mancha e com botões, teria sempre cuecas limpas na gaveta? Manteria as latas de chocolate e leite condensado e os pregos nas prateleiras no meio das roupas de passear? A premente necessidade de ter à mão o líquido doce através de um furo feito com a ponta de uma faca e martelo. A carência do seio?
O carrilhão tocou na sala. Lea acordou. Agora não com o ronco dele. E sentiu alívio. Na sua memória veio seu pai, para quem agora ela pediria proteção seguidamente. Não havia mais como aguentar a vida sem o útero a crescer, a lembrança do sangue perdido ao fazer o desejo de Jonas. Por que cedera? Olha as fotos de Natal e imaginou mais um ser ali. Qual sexo teria tido? Aquela mancha para sempre entre os dois. E nada jamais desfaria aquela cicatriz.
A noite se alongou. Rolou na cama até sucumbir finalmente ao sono. Seis da manhã, despertou com o corpo cansado. Pesadelo? Correu para o bloco de anotações. Esquisito lembrar-se daquele gringo no sonho. Onde andaria aquele homem das letras desenhadas?

(trecho pág. 22) Gatilho nas Palavras -de Marilice Costi - São Paulo, Scortecci Editora, 2012. ficção.


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