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22 de ago. de 2013

DICAS PARA QUEM QUER ESCREVER!

Para o escritor, escrever é vital. Por isso ele se dedica ao ofício, porque para ele é necessário. Ele precisa escrever. 

Confira outras dicas aqui
 

11 de ago. de 2013

Homenagem ao meu pai

CASO PROIBIDO

Era um caso de amor profundo, uma questão de raízes, um tipo de sentimento infinito até. Trinta e três anos de paixão! Ele, a trezentos quilômetros de distância, seu esteio, exemplo, segurança. Ela, frágil, mas corajosa, débil e às vezes inconsequente pela vontade de viver e saltar barreiras que a idade impunha. Matilde o carregava em seu coração num desejo de posse avassalador. Ela amava o seu caminhar, o gesto dele pôr os braços para trás, o assopro quando perdia a paciência e ria-se dos impropérios que Lauro esbravejava em sua língua de origem. Ela desconhecia em parte os significados. Mas seus signos eram claros: queria tudo em ordem, a mesa servida no horário exato, a comida com tempero suave, o silêncio na hora da refeição, o cafezinho depois junto ao cigarro filado. No final do dia, somavam mais de um maço. O médico proibira, ele não comprava mais.
Quando Matilde estava passando um tempo com ele, ao escutar o apito da fábrica, ia buscá-lo. Cansado do trabalho, ele demonstrava alívio. Era um momento de êxtase para ela: o caminhar lento de quem lidara o dia inteiro, o modo de atirar o casaco sobre o ombro direito, as muitas chaves da fábrica no molho preso ao cinto, o ouvir o próprio ruído ecoando do soalho nos barrotes, o verificar portas e janelas, os conselhos dados ao vigilante na guarita e, antes de cruzar o portão de ferro, o “não se esqueça de alimentar e dar de beber aos cães”.

Eles continuavam pela calçada coberta de terra seca daqueles dias de verão que margeava a avenida de paralelepípedos que se perdia atrás da Brigada Militar. E viam o pôr-do-sol. Ele a olhava com cara marota de menino adolescente e sorrindo dava-lhe um sonoro beijo espichando os lábios para alcançar sua face. Chegavam em casa aos latidos do Duque. Havia o costume de limpar os pés na grama, antes de ultrapassar a soleira. O chimarrão os esperava após o banho, quando ele mostrava seu recato. Nunca se vestia na frente ela. Apenas quando ia ao sanitário, não fechava a porta. Ela ouvia o som de um jato e ficava imaginando como poderia acertar no escuro. O lugar nunca cheirava mal. Era muito cuidadoso, sempre lavava as mãos ao chegar. Depois da janta, ela aguardava o momento que seus olhos diziam: pode vir. Sentava no seu colo, então, lia o jornal em voz alta. Ele escutava e marcava as notícias para ela recortar depois. Era o que Matilde fazia enquanto durava a sesta. Lauro sempre descansava após as refeições, como descansa agora, naquela cadeira do papai, para sempre.
Conto publicado no livro: COSTI, Marilice. Tempos Frágeis. Porto Alegre: Movimento, 2009.

28 de jul. de 2013

GRÁVIDA DE ESPERAS - Marilice Costi



Caro Editor
O que farei com a quantidade de textos que me vestem? Que me compõem por dentro? Que me fazem humana? Como esse que já fez aniversários... e estava entre os perdidos até hoje neste dia quase 10x6.
Abraços, MC
08/06/2013
O que importa nesta avalanche de vontades, de peles a tentar se colar, de dobras virando origamis, de alegrias mágicas e desejos interestelares, de ouvido e voz e ar, de pulmão e coração, o afago sangue adentro? Este querer/ser/ficar em território do outro, colo e acolhimento, um fincar mastro e  hastear bandeira?
Importa é a voz que chega a quilômetros milhares quase anos luz, trespassando calor em ondas, em frequências de comunicação de corpo e alma que se buscam, em dobras que se desdobram, resiliência e plantio. Há espera de criar raízes, em desconstrução que se constrói, no cuidado do levantar tijolo por tijolo, lado a lado, apoio e engaste, planície e floresta, um rio onde o barco atraca no cais, sem medo a não ser a ausência de maré. Águas sempre-vivas. 
Quero como quem deseja 25 metros de um bambu adormecido há séculos, cachoeiras que fluam entre jacintos, margaridas do campo e onze horas. Quero como quem deseja alcançar o pico da cordilheira dos Andes ou as cavernas de estalactites, como a música de Dvorák, Bartók, Strauss, Ravel, Villa Lobos, Chopin e Bach. Um pensar composto no balanço e movimento de ondas a ocupar territórios vindos em paz e em par.
Quero compartilhar do ar, do olhar, do costurar o afeto na pele com cinzel e linha tecelã e agulhas de bordar, a desmodular sentimentos padrões e a clarear obscuros momentos. Quero amar neste frio de junho que avança metade do ano de vida adentro.
Quero me grudar. Me dar e amparar, ser muro de contenção, ser telhado em construção, ser espaço público e privado, ser da vida, luz e sombreamento, dinamismo e amarração.
Nós, exatamente e apenas um nós em profusão.

(escrito em 2008) Direitos Autorais Reservados MARILICE COSTI - 08/06/2013

27 de jul. de 2013

Gatilho nas Palavras - ficção - Marilice Costi - p. 22




(... )
Iria ele cuidar de si a partir de agora? Escolheria a camisa sem mancha e com botões, teria sempre cuecas limpas na gaveta? Manteria as latas de chocolate e leite condensado e os pregos nas prateleiras no meio das roupas de passear? A premente necessidade de ter à mão o líquido doce através de um furo feito com a ponta de uma faca e martelo. A carência do seio?
O carrilhão tocou na sala. Lea acordou. Agora não com o ronco dele. E sentiu alívio. Na sua memória veio seu pai, para quem agora ela pediria proteção seguidamente. Não havia mais como aguentar a vida sem o útero a crescer, a lembrança do sangue perdido ao fazer o desejo de Jonas. Por que cedera? Olha as fotos de Natal e imaginou mais um ser ali. Qual sexo teria tido? Aquela mancha para sempre entre os dois. E nada jamais desfaria aquela cicatriz.
A noite se alongou. Rolou na cama até sucumbir finalmente ao sono. Seis da manhã, despertou com o corpo cansado. Pesadelo? Correu para o bloco de anotações. Esquisito lembrar-se daquele gringo no sonho. Onde andaria aquele homem das letras desenhadas?

(trecho pág. 22) Gatilho nas Palavras -de Marilice Costi - São Paulo, Scortecci Editora, 2012. ficção.


Saiba aqui a opinião de leitores: Uma publicação de SANA ARTE

25 de mai. de 2013

COMPREENDENDO

O tempo não espera por ninguém. Ontem é história. O amanhã é um mistério, o hoje é uma dádiva, por isso é chamado de presente. (Adalberto Godoy)

24 de mai. de 2013

Memórias de Marilice: INSISTÊNCIA DÁ NISSO...

Todos têm uma história sobre por que "desisti de ler". Não tenho dinheiro, ler demais não faz bem, não tenho paciência, não tenho tempo, não enxergo bem e muitas falas mais. Tenho a minha.

Ao voltar da escola e almoçar, eu ia ao meu quarto e deitava na cama para ler. Meu pai se aborrecia por me ver com livros que ele não entendia (Dialética da libertação, o que é isso? filosofia? Sartre? Os deuses eram astronautas?). Eu tinha 14 anos. E ele dizia, não me preocupe, minha filha. Você lê demais, Mari. Não é bom ler tanto!
Preocupado com o meu futuro, muito mais ainda com o meu pensar, papai tentava me controlar.. Estávamos na ditadura. Mas não faltava dinheiro para livros, enciclopédias, dicionários, revistas (exceto as Cruzeiro e Manchete que, se apareciam, tinham as páginas das mulheres pouco vestidas arrancadas. O nosso imaginário totalmente controlados pela minha mãe, As revistas Castigo? Ele & Ela? Nem pensar!

Havia gente que dizia: Aquele? Enlouqueceu de tanto ler! - era a fala corrente ao vermos passar um homem delirante pela rua em Passo Fundo. Aquele homem delirava em sua esquizofrenia!
Era sempre a mesma conversa pela cidade.

Vais enfraquecer os olhos, Mari.  Muitos cuidados comigo. O controle.

E hoje, a Mari! É bom não ser dentro da casinha, apesar de muitos sobressaltos do caminho. Quem lê pensa. E a postura tem que ser cuidada... Gosto de andar sem lenço e sem documentos. Nas letras especialmente. Com os livros a me olharem, enquanto aguardam que eu penetre no mundo insondável das palavras, sou tão mais feliz!

Marilice Costi (24/05/2013)





12 de mai. de 2013

Memórias com Minha Mãe

PARA MINHA MÃE
Minha amada Alice, a verdadeira senhora de meus domínios internos,
 mar revolto de minha adolescência, calmaria na minha maturidade,
luz e sabedoria no momento de eu ir para a próxima idade.
Amor de esperança e abraço de acolhimento.
Um amor de agradecimento que não cabe em mim.
Porto Alegre, 12/05/2013 
Marilice Costi


14 de fev. de 2013

DESCOBRIMENTO

sei agora
porque temo a morte
 
nos momentos de infelicidade
teu corpo
antes, meio de transporte celestial
me enterra
 
 
In COSTI, Marilice. Clichês Domésticos. Porto Alegre: Ed. Movimento, 1993, p. 42.

1 de set. de 2012

CUIDAR E SER CUIDADA

TVE RS - Ivette Brandalise entrevista MARILICE COSTI 04/08/2012

30 de ago. de 2012

AMANHECER COM SOL

Marilice Costi

 
O olhar seguiu para além dos seios 
e os sonhos chegaram nus.
 
A coragem ignorou o pranto
e os olhos espelharam desejos.

Sem temer o fio da navalha
a vida equilibrou-se em tênue fio.
 
A verdade abandonou complicadas frases
e entendeu plenamente do amanhecer sem dores.

Foi quando o impossível não sustentou sua tese.


 

17 de jun. de 2012

DOS LIVROS

"É o bom leitor que faz o bom livro; em cada livro, ele encontra trechos que parecem confidências ou apartes ocultos para qualquer outro e evidentemente destinados ao seu ouvido; o proveito dos livros depende da sensibilidade do leitor; a idéia ou paixão mais profunda dorme como numa mina enquanto não é descoberta por uma mente e um coração afins."
(Ralph Waldo Emerson, in 'Sociedade e Solidão')

28 de abr. de 2012

Lançamento do livro GATILHO NAS PALAVRAS - de Marilice Costi - dia 15 de maio - 18h30

17.01.12
(G)atilho nas palavras
No livro (G)atilho nas palavras, de Marilice Costi, o personagem masculino usa Darwin para justificar sua galinhagem: homens têm grande quantidade de esperma para espalhar seu sêmen e povoar o mundo, mulheres possuem poucos óvulos e vida sexual curta. Esse tipo de homem esquece que Darwin também concluiu que as espécies evoluem, modificando seu comportamento para se ajustarem às novas condições ambientais, ou sócio-ambientais, no caso humano. Ele parou no tempo. O mundo já está super-povoado. As mulheres estão independentes, praticam sexo por puro prazer, a procriação passou a ser ato de vontade. Além de contarem com reposição hormonal e anticoncepcional, atualmente nem precisam da presença do macho para engravidar, embora dependam de seu sub-produto. Por seu lado, a personagem feminina, recém-separada de um marido fraco, apesar de empresária e financeiramente bem posicionada, está carente e fixada em formar um novo par. Focalizado nos processos de comunicação entre as partes, o livro retrata o momento de pessoas de meia-idade perdidas entre duas gerações, mantendo algumas atitudes conservadoras enquanto transitam na modernidade, desorientadas por duas revoluções ocorridas no século passado, o feminismo e a informática. Estes movimentos resultaram decisivos para os relacionamentos interpessoais, pois influíram nas instituições, no trabalho, na cultura e na política, bagunçando os valores e os papéis tradicionais, o que transparece no enredo da novela. Vivemos uma época de transformações rápidas, onde, usando a metáfora da autora, o atilho estica para depois se soltar num gatilho, e, segundo Darwin, só os que se adequarem, os mais fortes, sobreviverão.
R.Novaes-Bueno

24 de fev. de 2012

Para as mulheres




08 DE MARÇO

Dia de lembrar que só temos o direito a muitas
escolhas porque muitas mulheres morreram queimadas em uma fábrica americana!
Que não precisem morrer pessoas para que se consiga uma humanidade mais bem cuidada!

VAI MULHER!

reconhece tua dor
recupera tua força
reencontra teu medo
reescuta teu grito
respeita teu pranto
reestuda teu canto
recusa tua farsa
respira teu corpo
revive teu posto
resssuscita teu vulto
recusa a angústia
revela teu silêncio
e descobre a cabeça.

 In: COSTI, Marilice Costi. Mulher ponto inicial. Porto Alegre: Movimento, 1985. p. 26.

DIALÉTICA FORMAL

tento unir
consoantes e vogais
formas incompletas
cobrem páginas
de interrogações mortais

é quando estou no escuro
que procuro a luz, meu alfabeto e a paz.


In: COSTI, Marilice Costi. Mulher ponto inicial. Porto Alegre: Movimento, 1985. p. 25.

22 de fev. de 2012

CIRCO E CERCO


olhinhos espiam meu circo em chamas
e eu, louca, palhaça, desvairada
atiro meu corpo na lama.

apenas posso rir

meu cerco é de bêbados e mortos
onde vou dar à luz
para poder chorar.

In COSTI, Marilice. Mulher ponto inicial. Movimento: Porto Alegre, 1985. p.14. (esgotado)

21 de fev. de 2012

ESCALA ZERO


incompreensão terrível
comunicação ausente

luz que se choca
na necessidade de ser gente

palavras ditas
inutilmente

a maldição como uma chama
e a vontade de viver
a partir da escala zero.

In COSTI, Marilice. Mulher ponto inicial. Movimento: Porto Alegre, 1985.

22 de jan. de 2012

AMIGOS DE SEMPRE

laços que enlaçam
trançam e traçam
novas linhas
em nosso sorriso

Marilice Costi
encontro na casa de Patrícia Cordeiro e Renan Corá

16 de set. de 2011

O CUIDADOR 14 - BLISS? PERCEBA O CHAMADO!


Como saber se estamos no trajeto de vida que nos trará realização? Um dia, ouvi de um amigo: descobre o que gostas de fazer e o universo conspirará a teu favor; não trabalharás mais por obrigação, mas com prazer. E gerarás riqueza porque para isso foste feita: para construir com e para a humanidade, onde te inseres. O cuidado está ali, porque é o que mantém a vida.

É preciso estar atento e desconectado dos ruídos que nos tiram da rota. Movidos pela energia coletiva, vivemos em bandos, comunicamo-nos em redes, somos parte de comunidades e nos construímos uns com os outros. Esta edição da OC é um depoimento dessa construção. Confira na matéria sobre drogadição, a importância dos monitores nas casas terapêuticas para usuários de drogas, cada vez mais jovens. 

Entenda o movimento da família de quem tem transtorno bipolar, na continuação do relato de Milena, que terminará na próxima edição.

 A equipe da OC homenageia as cuidadoras, pelo Dia Universal da Mulher, data escolhida devido ao assassinato de operárias americanas quando lutavam pelos seus direitos. Saiba mais sobre violência às mulheres no informe Delegacia para a Mulher e na matéria que traz um teste e informações sobre a Lei Maria da Penha. As cuidadoras públicas invisíveis que se encontram de prontidão em tantos lugares no Brasil, assim como estiveram as enfermeiras e as vivandeiras na Guerra do Paraguai. A História.

Jornada de Herói, mito estudado por Campbell, é constituída por três fases. Em qual delas estás? Bliss, quando reconhecemos o chamado. Momento de escolha, a encruzilhada, hora crucial que exige autocuidado que resulta na renovação do próprio caminho. Mulheres heroínas? Muitas, de todos os tipos. O quanto nos construímos – umas com as outras – ao compartilhar singularidades! Mas somos iguais na possibilidade de dar colo: o acolhimento também fundamental aos cuidadores homens.  

Boa leitura!


Marilice Costi
www.sanaarte.com.br/publicacoes

14 de set. de 2011

O CUIDADOR 15 - COMO ROMPER BARREIRAS?

Como lidar com nosso desejo de eternidade? A felicidade é impermanente. O ser humano está sempre em contínua mudança. Queremos o imutável porque nos sentimos mais seguros. Dependemos de forças às quais somos incapazes de controlar: nosso inconsciente, a energia dos outros, os ciclones, o caminho inevitável para o envelhecimento.

Podemos atenuar nossas dores compreendendo como outras pessoas resistiram às suas, porque felizmente podemos aprender uns com os outros. E é isto que ocorre também com quem adoece. As dolorosas perguntas sem resposta: Por que acontece comigo? Sobreviverei? O que também mobiliza os sentimentos dos familiares, especialmente dos companheiros de vida com quem formam casal.  O autocuidado arteterapêutico no momento de administrar interiores, as caixinhas que compõem nossa vida, matéria que ainda vai vir com mais detalhes na OC.

Reconstruir-se é um desafio que exige que olhemos para dentro de nós. E para isso precisamos recursos que podem estar na arteterapia, no colo de um amigo, na mão firme dos profissionais. Todos nos cuidam, de todos queremos colo e esperança.

Sou cega, mas vou em frente. O e-mail de nossa leitora que me surpreendeu! Tanto tem a nos ensinar depois de abandonos, a vida em outra dimensão. Leia também sobre o prazer da dança, projeto para idosos: como o corpo alimenta o espírito – via de mão dupla – também a mente a nos carregar. Alimento que também está na matéria sobre a amamentação, uma experiência pública que vem construindo vidas e formando redes de cuidados.

Leia a entrevista de um psiquiatra sobre o valor da narração das histórias construindo vínculos entre pais e filhos; e sobre o livro de sua autoria. A dificuldade na construção das relações afetivas está na nossa dica de literatura: o personagem autista confidencia seus pensamentos e nos tornamos cúmplices de Christopher. Somos absorvidos por sua narrativa dramática e hilária: questionamos o universo, Deus, os animais, a ordem dos números, a sua habilidade matemática e as relações, que podem ser tão mais simples como apenas um tocar de mãos, único contato físico que ele permite. Tanto a compreendermos sobre essas pessoas.  
Junto a isso, a crônica de um mineiro: administrar o excesso de cuidados?  
Confira e escreva para a redação!
Boa leitura! 

Marilice Costi


29 de ago. de 2011

INFERNO ASTRAL

Gilberto Gouma

Não me consola saber-me assim. Uma felicidade em potencial que não se consolida. Meus ais se pronunciam com maior alvoroço do que os sorrisos que me congratulam. Há quem me considere ingrato para com tão promissor destino. Julgam que na cartada, levei ases e coringas em profusão. Mas me sinto um macaco numa jaula e as bananas estão do lado de fora. Parece-me que estou emaranhado em idéias que não me pertencem, acordado num pesadelo de doce futuro – amarga sujeição. Sem pedir-me licença, condenaram-me a viver desejos alheios. Lambuzaram-me com leite e mel, quando eu preferiria vinho e pimenta. Nasci com estética de príncipe e uma alma mendicante e só me atraem os plebeus. Meu avesso quer vir à tona e cobrar o que lhe foi usurpado. 

20 de ago. de 2011

OS LIVROS SÃO PERIGOSOS! - John Milton, 1644

Não nego que seja do maior interesse, tanto para a igreja como para a república, vigiar com muita atenção a conduta dos livros tal como a dos homens; e em seguida, retê-los, aprisioná-los e puni-los com o maior rigor, como a malfeitores. Porque os livros não são coisas absolutamente mortas; têm em si um princípio de vida tão ativo quanto a alma de que são provenientes; e até mesmo conservam, como em um frasco, a força e a essência mais puras da mente viva donde saíram. Sei que são tão cheios de vida e tão vigorosamente fecundos quanto os dentes do dragão da fábula: se forem semeados aqui e acolá, talvez saiam deles homens armados. Por outro lado, entretanto, a menos que isso seja feito com prudência, destruir um bom livro é quase matar um homem; e quem quer que mate um homem, mata uma criatura dotada de razão, ou seja, a imagem de Deus; mas quem quer que destrua um bom livro, mata a própria razão, mata a imagem de Deus, como quem dá um golpe num olho. A vida de muitos homens é uma carga para a terra; mas um bom livro é o sangue precioso do espírito superior, embalsamado e cuidadosamente conservado para uma vida além da vida. Para dizer a verdade, não há século capaz de restaurar uma vida cujo desaparecimento não constitui, talvez, grande perda; e, na sucessão das idades, é raro ter sido reparada a perda duma verdade rejeitada, cuja ausência é prejudicial a nações inteiras. Deveríamos, pois, mostrar maior prudência em nossas críticas em relação aos trabalhos vivos dos homens públicos; em nossa maneira de dissipar esse suco vital da experiência humana, que é conservado e armazenado nos livros, porque vemos que se pode cometer assim uma espécie de homicídio, expor ao martírio e, em se tratando da totalidade de exemplares impressos, chegar a uma espécie de massacre, cujo efeito não é destruir uma vida elementar, mas que fere essa quintessência etérea, o sopro da própria razão, e que aniquila, mais do que uma existência, uma imortalidade.

Trecho retirado de um discurso feito em 1644 por John Milton, autor de Paraíso Perdido, para a Suprema Corte Inglesa. O texto é considerado um dos fundamentos da liberdade de expressão no ocidente .
Vide: Areopagitica, um discurso pela liberdade de imprensa.
 
Colaboração: Dênia Palmira

10 de ago. de 2011

Pensamentos do dia

Caráter. Respeito. Credibilidade. Amorosidade. Ser! A grande questão?
Simples a vida. Complicado é suportar o desumano.

Marilice Costi - 2011

7 de jul. de 2011

O QUE CARREGAMOS DE SINGULAR?

Perfeição não existe. O que existe quando chegamos à maturidade? Ver nossos pais como seres humanos, aceitá-los com seus erros e acertos como todos nós. O que existiu na minha família foi muita luta, desde o início. Nada fácil. Muita economia. Tudo feito em casa. Roupas, sabão, chimias, sucos. Galinheiro, horta, pomar. Houve um tempo em que só havia água de poço, manivela, balde e corda... A água vinha respingando nos tijolos... Quantas vezes olhei para dentro, aquele fundão. Cuidado menina, sai de perto! Você pode cair dentro. Tempos depois papai instalou uma bomba. Graças a Deus! Mas quando faltava luz... era de novo a manivela. Em nossa casa ,choveu dentro durante muitos anos, molhava todos os livros, piano... Parava de chover na rua, dentro varríamos a água. Eu nem tanto, porque havia empregadas para atender tanta gente... Mas mamãe lastimava as paredes pintadas com cores que ela criava, as cortinas que tinha feito, os livros que grudavam as folhas e ela colocava no sol, punha talco... Papai tinha que reformar todo o telhado e protelava... Primeiro a fábrica... depois a casa... coisas de empreendedor. Tudo longe: escola, farmácia, igreja, amigos, hospital... Dependíamos de alguém que nos levasse na casa dos amigos. Raramente ou nunca vinham me visitar se não os fossem buscar... Cada um com suas coisas, que marcaram nossas vidas e relações para sempre. A casa cheia de filhos, de netos, de representantes, de padres, de freiras, de bispo, de parentes. Achavam que éramos ricos, mas controlava-se tudo, água, energia, nunca o alimento. Tanta gente para alimentar. Mas não havia consumismo, era só o necessário. Não faltou nada. Havia cuidado na família e cuidado na comunidade. Quanta riqueza!
Atualmente, ninguém está satisfeito com o que tem. O consumo daquela época era sustentável... mas havia contaminação no solo e no ar... O curtume largava cromo, mas quem sabia que isso era prejudicial na década de cinquenta? Ali foram curtidos os primeiros couros cor de cardeal, verde limão, roxo, amarelo... coisas inventadas pela minha mãe. Que nunca teve salário pelo trabalho social que desempenhou na empresa. Era ela quem mobilizada as pessoas para festas de São João, dia do trabalhador, Natal, Páscoa... As festas na Igreja, sempre com apoio de papai. Quanta salsinha era doada para as festas das freiras, dos padres, do grupo escolar municipal. Um amigo há poucos anos me disse: quanto mais damos, mais ganhamos. Dê!
O mundo mudou. A informática, os planos econômicos, as mudanças sociais. Poucos descendentes de italianos souberam construir e continuar seus negócios acreditando nas filhas. Elas não deviam rir muito porque pareceriam loucas, não deveriam falar muito porque não seriam confiáveis. Daí, melhor escrever, pois o abecedário escorre pela mente... cascata, enxurrada...
As relações, todas, mudaram. Sociais, de trabalho, as familiares. Muita gente nasceu. Naqueles tempos, conseguia-se ajudar os pobres verdadeiramente. Hoje, carregamos a impotência e a culpa pela incapacidade de mudar o mundo. Acreditávamos que éramos capazes. As utopias. O amor livre e independente de convenções sociais e de heranças. Evoluimos em muitas coisas. Mas cansamos de ver a violência, não queremos mais ver, cansamos de esperar mudanças, ainda nos surpreendemos com quem elegemos pelas mentiras que nos passam antes das eleições, somos sobrecarregados de informações, excesso de comunicação. Falta o vazio, o espaço de sentir, o espaço de viver o hoje que escorre entre nossos dedos, mas marca inevitavelmente nosso rosto com rugas que não são mais de expressão. Perdemos muito em humanidade. O medo de chegar perto do outro. O medo de perder a vida, o medo de perder os documentos, a falta de privacidade. Já não molhamos os olhos com a desgraça dos outros, desligamos a televisão, porque não temos mais espaço dentro de nós para acollher tanta dor que jogam em nosso colo. Por isto tudo, o valor da vida, que é única, inquestionavelmente, solitária? Pertencendo a cada um de nós. Somos sós e somos o outro, somos nós e somos o todo. Somos singularidade e somos apenas um número na multidão. Somos. Estamos vivos, por isso posso registrar em um blog o que penso seja a minha verdade. Mas pode não ser. Posso estar contaminada com o entorno. Somos o que vivemos e o entorno nem sempre é sadio. A sociedade adoeceu, mas de dentro dela, nascerá o novo. Que saudade dos meus tempos de dialética! 

Marilice Costi - 2011

9 de jan. de 2011

Poema selecionado para Coletânea de Poetas Gaúchos - AL - Org. Dilan Camargo

Há mais certeza no trilhar novos caminhos
no ouvir que exorta o singular do ser?
Lamber carinhos em aromas mergulhados
transforma rejeição no ato de empreender.

A nitroglicerina em fios de telefone,
polaridades em resmungos sem tesão
encanto que acabou, clichê desalinhado,
desnudam um amor, a sentinela em vão.

Você articulava em pronta sedução
no abrir e fechar portas, múltipla explosão!
O estar distante fácil não compôs carinhos
mas mortos escondidos em certeiro chão.

Insanas em você as palavras profanadas
e doces as agruras que sem tino emanou
ao fraturar cristais de vida consagrados
entrecortadas sílabas, um mote vomitou.

Ao esconder meu pranto é num vão
o que vai-se em profusão. Então você
inquieto ser - contínuo e interno pendular
encerra o jogo num tablado e tem razão.

Homem distante num moinho andante,
de pavio  feito pra queimar os dedos
em notas tais que mais parecem ser torpedos
em frágeis passos de andarilho, medo amante.

Você a rejuntar e ao dar acabamento
a um tipo cadafalso, frigorífico de trincas.
Desbravador de amor rompido no alongar do voo
compactou no ventre um ser que não habita.

Você foi rendilhado em colorida fita
descortinado ser que perdeu tanto poder

com dor e raiva, falo falha fula pílula
no colo de quem acolheu as sobras no sorver.

Incapaz de amar e de cumprir natais
ao refazer a vida um descuidar demais
de quem despiu-se escancarando o próprio couro
jogando fora, desvaloriza o que era ouro.

Impaciências em você talvez reverterão
em sabedorias, se não forem munição;
se autoestima não partir de grande esforço
ao preparar o próprio pão, virá desgosto.

Você, um corpo machucado no viver,
compõe entalhes e relevos no criar
é gota a gota a respingar na vertical
na escadaria sem degrau nem patamar.

Você foi louca compreensão ao ser amado.
Um laço ao decompor ardor em raro ninho
rasgou o afeto e ao rastejar não tem sapatos
e ao sangrar será bordô, coalhado, impuro vinho.

Há féretro que aporta de um navio advento?
Guerra sem armas fermentou o tudo? é nada.
No cais ao desfraldar a caravela ao vento
cumpriu um ciclo a mais de abandonado alento.

Bandeira brasileira em corpo embalsamado
tem cores do Rio Grande em meio a lambrequins
envoltos nesse pano, cupins de antepassados
enterraram a dor de um doce amor em mim.

- Ah, metida abelha em noturnos vendavais
tentando remover coturnos e metais!
Bendiga o rumo ao recompor-se em tempos tais
desapareça – é águia – pra que dizer dos ais?

Marilice Costi - 2010 - foi alterado para a publicação

19 de dez. de 2010

Pé no chão e pá de cal

Conseguiria falar nele sem doer-lhe as entranhas, olhar para o que sentira por aquele homem sedutor e abandonador e dizer a si mesma, pá de cal? Ela lembrou o livro dos homens que não sabem amar. Tanto dele ali, capítulos e capítulos. O tudo e o nada. O sim e o não. O sair de perto quando o momento era de contrato. O enfiar a cara no uísque para esquecer a dor. O estar eufórico e viver a vida como se não tivesse amanhã. O não compromissar-se.
O lago em frente, plácido, a tarde quente, o lanche que sobrou que levaria para jantar com a nova mulher. A paisagem era como a necessidade deles, que a vida tranquilizasse o coração. Ele falou, falou e falou. Tantas intimidades. Sentimentos atuais, a preocupação com o futuro. Novidades vindas daquele senhor de meia idade, que parecia um guri ao sorrir.  Ela ouviu, ouviu e ouviu. Entre eles, o sentimento de sempre e inexplicável.
Quase no final da conversa, ele disse que para o homem era suficiente ter em quem escarrar. Mas que o sexo para a mulher era diferente. Ela quis ponderar, mas ele insistiu. Ela pensou, não vale a pena perder tempo com isso.
Na despedida, o abraço foi caloroso, mas descolaram-se rapidamente (seria o  medo de tocar interiores?). Foi breve o afastamento e logo um outro abraço, como que a conter aqueles corpos num só. Coisa de segundos. E de novo, o inexplicável.
Nela, a lembrança do perfume que ele tinha entre as pernas e o prazer de esfregar-se como uma gata ao cheirar seus genitais. Adocicadamente seco. O Capim Cheiroso que ele lhe dera há décadas, ali. E nele? Jamais saberia. Passariam quantas décadas para talvez saber?
Nesse dia, ela acreditou no que ele dissera, mais do que em todo o tempo de parceria que haviam tido há muitos meses.  O tudo e o nada num ínfimo contato. O antes se esvaindo nos corpos lado a lado sem ponto de fuga na linha do horizonte. Então ela leu nas entrelinhas.
Ele encontrara a sua mulher ideal. Agora tinha onde escarrar.

Marilice Costi - miniconto - 18 dez 2010.

12 de dez. de 2010

DAS ENCRENCAS 2

Horrivel de ler aquela resposta no meio do texto do e-mail que enviei... A escrita curta. A falta de tempo. Quando enxugo minha escrita, nem sempre as pessoas entendem. Quando me alongo, reclamam. Síntese é
o masculino. Então, mais homens deveriam ser  poetas? A lógica. A filosofia...isto logo aquilo... Seria bom se a vida realmente fosse assim racional. Quando afirmo que talvez devesse ser mais masculina, é disto que falo: da comunicação direta, sem metáforas, sem surpresas. Apenas a frase: não quero mais você. Sem explicações ou delongas. Limpa como "acabou".

A vida é isto? Fulano ama siclano, que ama fulana, que ama beltrano, que gosta de siclano. Todos sozinhos e sem problemas de relacionamento. Vale? A vida tem sentido quando se tem paixão, pode ser por um poste, mas se tem. E quando se pode sentir saudade "de matar" e matá-la.

Ser feliz, é simples. Coisas pequenas e delicadas, momentos intensos, de tempo pouco. Segurança de afeto. Colo. Ganhar é bom. Estimula o dar. Qualquer coisa: um beijo, um olhar, um abraço, uma flor, um pps, um orgasmo. A ordem importa? Sempre primeiro e último, o abraço.

Memórias... Coisas valiosas que dão energia para os momentos de dor. Não é a dor que nos torna fortes, é o sair dela e olhar o que passou. Sentir que sobreviveu a hecatombes. É autoperceber-se forte também ao olhar do outro. Mesmo que não nos sintamos assim.

Amor é coisa grande e perder dói.
Matamos pedaços de nossa vida pensando em um amor que não vingou? Não se morre disso.

Privilégios: lucidez, alimento, casa, afetividade, amigos, criatividade. Tudo vale a pena se a alma não é pequena. - clichê. Tudo vale? Como é bom sentir a alma gorda! De poesia que é a alma da sociedade. Bendita seja ela! A alma. Que seja obesa de alegria! O corpo... o corpo... o corpo... a alma... a alma... a alma... o corpo! Interdependências...
E deixa pra lá! O corpo? Nosso veículo de transporte.
Em e-mails sem voz, sem corpo, sem consistência, se nos entremeios não há entrega, a comunicação é de alto risco. Porque projetar no texto do outro aquilo que sentimos é comum. Muito comum.
Quem não se dá conta, se trumbica.

8 de dez. de 2010

Nietzsche, Barthes e Adelia Prado

"Dizia ele [Nietzsche]: 'Ao pensar sobre a possibilidade do casamento cada um deveria se fazer a seguinte pergunta: Você crê que seria capaz de conversar com prazer com esta pessoa até a sua velhice? Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar'. Sherazade sabia disso. Sabia que os casamentos baseados nos prazeres da cama são sempre decapitados pela manhã, terminam em separação, pois os prazeres do sexo se esgotam rapidamente, terminam na morte, como no filme O império dos sentidos. Por isso, quando o sexo já estava morto na cama, e o amor não mais se podia dizer através dele, ela o ressuscitava pela magia da palavra: começava com uma boa conversa, conversa sem fim, que deveria durar mil e uma noites. O sultão se calava e escutava as suas palavras como se fossem música. A música dos sons ou da palavra - é a sexualidade sob a forma da eternidade: é o amor que ressuscita sempre, depois de morrer. Há os carinhos que se fazem com o corpo e há os carinhos que se fazem com as palavras. E contrariamente ao que pensam os amantes inexperientes, fazer carinho com as palavras não é ficar repetindo o tempo todo: 'Eu te amo, eu te amo...'


Barthes advertia: 'Passada a primeira confissão, eu te amo não quer dizer mais nada'. É na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra, não em sua nudez anatômica, mas em sua nudez poética. Recordo a sabedoria de Adélia Prado: 'Erótica é a alma.'

(desconheço o autor)

6 de dez. de 2010

DEPOIS DAS CINZAS

Quando eu morrer, quero uma varredura nas minhas fotos. Queimar todas as que eu estiver séria. Sou da alegria... A dor fica sob do travesseiro ou no entremeio do dicionário.

Marilice Costi - 2010

21 de nov. de 2010

CORA CORALINA

Poeta é ser ambicioso, insatisfeito, procurando no jogo das palavras, no imprevisto do texto, atingir a perfeição inalcansável.

O poeta e a poesia (Vintém de cobre)

16 de nov. de 2010

DOS CUIDADORES 1

Todo mundo achava que a avó não ia viver muito depois daquela internação. A família acreditou que não passaria o próximo inverno. O que entristeceu a todos. Foi quando os filhos decidiram dividir tudo que havia no apartamento dela. A partilha já estaria feita.
Mas ela, firme e forte e com desejo de viver, continuou no território do filho, não tão jovem a ter que administrar os cuidadores, talvez tivesse coisas a resgatar ao conviver com a mãe.
Uma das netas lhe deu mais um bisneto, passava da dúzia e ela ali frágil mas muito feliz com a prole.
O cuidar "uns dos outros" era comum naquele grupo. Uns com os outros?  Não.
Ser cuidador era muito cansativo.

29 de out. de 2010

QUE DEMOCRACIA QUEREMOS?

Dos textos que li, este toca entranhas. Traz nossa base histórica - onde a memória falha - faz pensar o micro e macro ao entremeiar as nossas miudezas, os nossos amores, os nossos medos e a nossa necessidade de criar e de viver como individuo no coletivo. Brilhante Ana Lucia Vilela! Sua escrita dá norte para pensarmos que democracia queremos e por que temos tanto medo dela. Importa é a coragem de arriscar para tentar ser feliz. (clique no título desta postagem e acesse o texto de Ana).

26 de out. de 2010

ELEIÇÕES EM 2010: DESRESPEITO LASTIMÁVEL NO BRASIL

Caro amigo:


Que tempo bom de liberdade! A juventude de hoje não tem a compreensão da luta que houve no Brasil. E isso serve para comunicar o desrespeito? é uma pena. Democracia para a baixaria. Um desvalor. Nunca vi em nossa história, propagandas em nível tão baixo, distorção de imagens e de palavras, coisas colocadas na boca das pessoas, projeção de sentimentos para dar às pessoas a desesperança.
Culpa de quem? Da liberdade de imprensa? Do marketing de ponta?
Que exemplo estamos dando às gerações que vêm inquietas com tantos problemas, tanto excesso de informação?
Quanta facilidade em distorcer o dito pelo não dito, tanta complexidade para encontrar soluções e tão pouca afetividade e convivências sadias, presenciais. Fundamentais!

Lamentável, quando poderia estar havendo o maior embate sobre o valor e o desvalor nas questões sociais, econômicas, culturais, educacionais e tantas coisas importantes: sustentabilidade e energia.

Parei de passar adiante tralhas que recebo. Não tem sentido desconstruir relações de afeto porque as pessoas divergem em seus olhares. Não tenho vontade e nem espaço de vida para por à prova minha resiliência frente ao desrespeito. Quem gosta de ironia é quem agride. Amigos verdadeiros me conheçam. Os da onça passam ao largo.

Incomoda-me mesmo o quanto os candidatos e seu marqueteiros e seus partidos subestimam a capacidade humana de distinguir manipulação e os motivos pelos quais estamos num mar de lama exposto há décadas e um mar de lama inventado há meses.


Estabelecer polaridades no ser humano? Refiro-me à dicotomia esquizóide que presenciamos como nunca,  como se estivéssemos para escolher entre o incompetente e o competente, como se, especialmente depois de Jung, pudéssemos colocar alguém como totalmente "mau" ou totalmente "do bem";  como se, depois do livro do Saramago, o trecho brilhante - no qual Deus e o Diabo discutem o poder - não é uma lição do que vemos de novo, infelizmente.

Faço minhas as palavras do amigo de Dilamar Santos. Mas é com muita tristeza por ver  a perversidade que percebo nas entrelinhas da propaganda política - o tempo e a energia gastos para um desserviço ao país. Podíamos passar sem tudo isso.


Aonde a verdade? Cada um que avalie através do excesso. Todo excesso é ruim: comida demais, bebida demais, propagandas demais.
Sou daquelas que se nega a por fora o voto, tanto que as mulheres lutaram para terem o direito de escolha!


Porque tudo, mas tudo, está na educação. O único tesouro que ninguém é capaz de nos roubar. Isto aprendi com meu pai. Nenhuma fortuna sobrevive se não formos ricos em nosso interior, em nossa humanidade. O maior investimento é o que fazemos em nós mesmos. Depois, podemos cuidar dos outros. E cuidando dos outros, cuidamos também de nós. Abaixo, o recorte do email que recebi.


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A essas alturas o maior problema não é “quem será eleito?” e sim “como está, e como vai ficar o nível de nossa educação, que está dando tantas mostras de baixaria!” Cadê o respeito tão necessário à vida social e, mais amplamente falando, respeito ao meio? Depois que escrevi sobre “...questão de ordem” e pedi calma, vários correspondentes meus melhoraram em seus contatos comigo: baixaram a bola. Espero que te toques, que faças um exame de consciência pensando em nosso Brasil, na humanidade mesmo.

Democracia só é possível havendo respeito entre os cidadãos; não hipocrisia, que é algo que, sonho, ainda extirparemos da maioria de nosso povo.
Miguel Angelo
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Caro Miguel,
Imagino como estaria nesse momento o Darci Ribeiro... Brizola... e tantos educadores...
Quem poderia, há trinta anos atrás dizer tanta coisa do outro! O abuso, o desrespeito, a falta de limites. A ausência de controle por parte de candidatos, por parte dos legisladores. Ora, permitir que a mulher do Roriz estivesse no páreo. E tantas coisas mais. O Tiririca! Bem que os deputados merecem se coçar ali e ter que aturar... o que temos que aturar aqui fora!


Sou pelo voto de quem antes de tudo, respeita o meu direito de pensar. Valoriza o ser humano singular.


Marilice Costi

16 de out. de 2010

No Museu da Língua Portguesa

IX Congresso Brasileiro de Arteterapia - São Paulo - out 2010

Só se pode viver parte do outro
e conhecer outra pessoa,
sem perigo de ódio
se a gente tem amor.
Qualquer amor é um pouquinho de saúde,
um descanso da loucura.
João Guimarães Rosa

São Paulo, e a necessidade de estar comigo mesma, foi um tempo de ficar  o maior tempo com muitas pessoas. Na rua, no congresso, no hotel, nos bares. Tudo o que eu não necessitava era estar com muitas pessoas, tamanha a necessidade de me tornar um ovo. Assim como quem não quer nada e aparecer no mundo só o depois,  sem história de antes. Tão bom os recomeços de qualquer coisa: a vida, o amor, o tornar-se mulher, o usar o primeiro soutien, o publicar o primeiro livro, o primeiro beijo, o primeiro orgasmo. 
Estar vivo é um grande milagre, o permanecer nesse universo com noção de finitude e cumprimento do "para que viemos".  Mesmo meio a dores corporais ou mentais.
A arte é o que permite enlouquecer e ter saúde.
A arteterapia é um lugar que deveria ser comum a todas as pessoas. A criação, assim como nascimento, é o que existe de mais precioso. Até a criação de um vínculo, a permanência da amizade, a validez de um beijo roubado, criado assim a esmo, roubado até como um gerâneo oferecido assim como quem oferece um futuro numa noite qualquer.
Viver é para quem tem dom de comprometimento consigo e com o outro.
É quando somos Mario de Barros, Guimarães Rosa e Fernando Pessoa, grandiosos pequenos pedaços de frases, palavras reescritas, vidas reconectadas, novos encontros.
A nossa língua na boca, na boca, na boca. A nossa língua no papel, no papel, no papel. A nossa língua no alimento, no alimento, no alimento.
Boca, papel, estranhamento. A alma na palavra, a palavra na alma. Os suportes e os amigos, o acolhimento.
No meio de muitos na capital paulista; no meio de muitos em mim, sou Porto Alegre. Dias quentes, outros frios, espaço de meu sustento e dos amigos onde me alimento, sou porto feliz.

A arte é para ser de todos. Para ti, pra mim, para conosco, pra convosco. Tal era a comunhão dos dias de domingo, deveria ser sagrada em qualquer dia. A arte. A terapia. O autoconhecer-se vivo e com sentido. Os sentidos. Sem ressentimentos, mesmo com tantos abandonos.
Viver é uma possibilidade de festa ali, ao lado dos outros. E mesmo assim sozinha. Ou sozinha repleta de tantos acompanhamentos. As almas.
Porque a alma na palavra é muito e a palavra de nossa boca no ouvido do outro é lenimento.

Marilice Costi - noite de sábado-saudade

25 de set. de 2010

ORAÇÃO DO POLITICO CORRUPTO

Ave mandato cheio de graça

o trabalho é convosco

bendito é o salário do nosso descanso

bendito é o fruto do nosso furto, também.



Santa reeleição, mãe do poder

máscara de gestos

tumba da ética

higiene de Pilatos

da demagogia eterna,

Amém.


Poema de Marilice Costi - 1985


25 de ago. de 2010

A ARTETERAPIA e A OFICINA DE CRIATIVIDADE (HPSP)

Os primeiros registros artísticos foram encontrados no interior das cavernas. A caverna é útero, abrigo, gruta, catacumba, porão, esconderijo, casa, interior. Todos precisamos de cavernas, lugar privado onde se pode tirar as máscaras tão exigidas e necessárias para sobreviver. Fruto do imaginário, marcas da memória sensível, a arte é capaz de resgatar a memória, limpar nosso winchester cheio, esvaziar, remover o incômodo, muitas vezes, desnecessário.

Dar esta sensação foi intencional em um dos últimos ambientes criados no segundo andar da Usina do Gasômetro para comemorar os 50 anos da RBS? O excesso de imagens podia dar náusea, enxaqueca, mal estar. Cinco décadas de vida e história, foi bom relembrar e foi terapêutico resgatar raízes, mas absorver tanta informação requer tempo.

Diferente foi a exposição Tapete VOA-DOR, na Oficina de Criatividade do Núcleo Nise da Silveira do Hospital Psiquiátrico São Pedro, onde 120 tapetes criativos voam dores nos varais, num espaço onde o vento movimenta o sensível. Impossível não se emocionar com

9 de ago. de 2010

JOSÉ SARAMAGO - Sentirei saudades!

"No entanto, ao longo de toda a fala de Tertuliano Máximo Afonso, apercebera-se de uma espécie de roce incómodo na sua voz, uma desarmonia que lhe distorcia em certos momentos a elocução, assim como o característico vibrato de uma vasilha rachada quando se lhe bate os dedos, que acuda alguém a ajudar Maria da Paz, a informá-la que justamente com aquele som que as palavras nos saem da boca quando a verdade que parecemos estar a dizer é a mentira que escondemos."

"O caos é uma ordem por decifrar."
"Diz a sabedoria popular que nunca se pode ter tudo, e não lhe falta razão, o balanço das vidas humanas joga constantemente sobre o ganho e o perdido, o problema está na impossibilidade, igualmente humana, de nos pormos de acordo sobre os méritos relativos do que se deveria perder e do que se deveria ganhar, por isso o mundo está no estado em que o vemos."

"Maria da Paz também pensa, mas, sendo mulher, portanto mais próxima das coisas elementares e essenciais, recorda a angústia que trazia na alma quando entrou nesta casa, a sua certeza de que se iria daqui vencida e humilhada, e afinal acontecera que em nenhum momento lhe tinha passado pela fantasia, estar na cama com o homem a quem amava, o que mostra quanto tem ainda de aprender esta mulher se ignora que muitas dramáticas discussões dos casais é ali que acabam e se resolvem, não porque os exercícios do sexo sejam a panacéia de todos os males físicos e morais, embora não falte quem assim pense, mas porque, esgotadas as forças dos corpos, os espíritos aproveitam para levantar timidamente o dedo e pedir autorização para entrar, perguntam se lhes permite fazer ouvir as suas razões, e se eles, corpos, estão preparados para lhes dar atenção. É então que o homem diz à mulher, ou a mulher diz ao homem, Que loucos somos, que estúpidos temos sido, e um deles, misericordiosamente, cala a resposta justa que seria. Tu, talvez, eu só tenho estado à sua espera. Ainda que pareça impossível, é este silêncio cheio de palavras não ditas que salva o que se julgava perdido, como uma jangada que avança do nevoeiro a pedir os seus marinheiros, com os seus remos e a sua bússola, a sua vela e a sua arca do pão."

SARAMAGO, José. O homem duplicado. São Paulo: Cia das Letras, 2002.

7 de ago. de 2010

DO PENSAR AMOR E FAMILIA - Fala de Antonio Frederico Knoll

E concluiu Quintana: Tenho medo de querer-te, por não entender nada de amor.
O amor é tão amplo, profundo e caprichoso que, às vezes,
tenho medo de não saber amar.
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A vida familiar é a melhor célula, com seus altos e baixos, a célula social verdadeira. Mesmo, porque resulta do que o amor fecundou. Nada supera o amor, mesmo com as suas incógnitas e suas surpresas. A vida familiar não é um mar de rosas, mas nela ocorre o melhor dos sentimentos que do coração verte até hoje.

As estrelas dessa constelação que me rondam na noite que se espreguiça louca, torce para que o sol apareça logo para poderem dormir, já que o amor passou de ronda, enquanto o sol dormia...

Antonio Frederico Knoll
Santa Maria/RS

3 de ago. de 2010

TEMPOS FRÁGEIS, contos de Marilice Costi

TEMPOS FRÁGEIS

O livro possui contos sobre exclusão, singularidade e humanidade em um texto conciso. Traz a solidão, o desejo, o transtorno mental, a deficiência psicossocial, a velhice, a deficiência física, o alcoolismo e a violência doméstica, mas também a afetividade e a empatia.

Os contos estimulam a observação da humanidade em pessoas vulneráveis, em situações em que o idoso sequer era pensado, que os direitos humanos estavam em falta em todas as direções.

“Marilice Costi é uma fina crítica da realidade, das relações interpessoais falidas, da miséria, da exclusão social, dessa que, de tão acostumados, quase já não percebemos, da solidão. É quando a literatura assume seu papel de falar por aqueles que não têm voz, aqueles como Jaciara que “Perdia novamente, como vinha perdendo dia a dia.” (Jane Tutikian)

Em 2019, o livro foi utilizado em escola estadual dePontão/RS, através do Projeto Autor Presente - IEL. Os alunos interpretaram, filmaram, dramatizaram e ainda questionaram: "Como escreveu este livro na década de 70 se ele ainda é atual?" O poder da literatura atravessa o tempo, é universal.  Está aí o valor do trabalho humano da autora.

Feira do Livro de Porto Alegre. A poeta Gerci de Oliveira e a contista, Marilice Costi. 
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Capa: Imagem criada a partir de foto de Marilice Costi, feita em um sítio perto de Santa Maria/RS.

Foi trabalhado em software pela autora para que adquirisse sentido de acordo com o conteúdo do livro.

        O que ela expressa a você? Gostaria de saber. Escreva comentando.

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